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Reflexões sobre a crise global: Impacto na Democracia Liberal e no Direito Internacional.

  • grupomonizbandeira
  • 9 de ago. de 2021
  • 7 min de leitura

Mario Eduardo Firmenich*






Como marco de análise de todos os temas políticos e muitos assuntos econômicos do mundo atual está o fato que vivemos um novo tipo de guerra mundial fundamentada, por um lado, na existência de uma crise global e, por outro, em múltiplos atores que possuem estratégias veiculadas à construção de uma Nova Ordem Internacional. Esta 3ª Guerra Mundial não se assemelha às confrontações “formais” das duas guerras mundiais do século XX. Durante duas décadas (1990-2010) se foi estabelecendo a Ordem Mundial da Globalização neoliberal após a debacle da URSS e a irrupção das novas Tecnologias de Informação e da Comunicação. A Globalização entra em crise com a explosão da bolha financeira imobiliária global (2007-2008), crise que se aprofunda com o soerguimento russo como potência militar global e a emergência chinesa como potência econômica global. O desenvolvimento da confrontação conduziu à estratégia da (des)globalização promovida pelo governo republicano de Trump e o posterior contra-movimento de (re)globalização do governo democrata de Biden, porém mantendo as linhas de confrontação de Trump contra a China. Levando em consideração que se estabeleceu uma ordem internacional (ainda que estruturalmente e politicamente precária, daí sua curta duração), a guerra global se converte em uma guerra civil mundial. Consequentemente, surge por um lado “frente de guerras civis internacionais” entre os excluídos e os integrados da globalização neoliberal, expressa na migração dos deserdados da África e Ásia para Europa e da América Latina para os EUA. Essa migração foi sentida como “invasão” pelos ganhadores da dualidade social mundial; a resposta “ecológica” do establishment econômico da globalização foi que a sustentabilidade exige que se reduza aproximadamente metade da população mundial; os que devem desaparecer segundo eles, são os excluídos do sistema pela globalização neoliberal. Por outro lado, estão as “frentes de guerras civis nacionais”, entre os habitantes “ganhadores” e os “perdedores” em cada país do modelo neoliberal globalizado.

A “fissura” política se instala como antessala da guerra civil em muitos países. A supremacia do direito em geral, e do direito político constitucional democrático em particular, é a regra dominante durante o tempo de paz. Nesse contexto “as proto-fissuras ” entre os ricos e os pobres apenas são lutas políticas convencionais democráticas, ainda que em um ambiente denominado de “crispação”. Porém a guerra é “a continuidade da política POR OUTROS MEIOS”. À medida que a guerra civil mundial se aprofunda, os “MEIOS DO DIREITO” vão sendo substituídos pelos “MEIOS DE GUERRA”. É conhecido que o direito positivo não pode reger em termos práticos sem a existência do poder de polícia. Esta é a maior debilidade do direito internacional. Ainda que existam tratados e convenções que são “leis” internacionais e apesar de que se vão constituindo diversos Tribunais Internacionais, ninguém tem o juridicamente o poder de polícia mundial. Quando uma potência assume por sua conta o poder de polícia internacional, sua intervenção se converte automaticamente em um ato de guerra contra outro Estado soberano. As potências tendem a apoiar a seus aliados em cada país colocando em segundo plano o direito internacional. Essa conduta está principalmente conduzida pelos EUA, porque é a potência que toma a iniciativa de ataque global devido ao fato que sua hegemonia está questionada em diversos aspectos geopolíticos e econômicos. A doutrina da “guerra preventiva”, à margem das Nações Unidas, foi o início dessa desvalorização do direito internacional. Por outro lado, a iniciativa estratégica de ataque para conservar ou recuperar posições de hegemonia leva a que as lutas políticas internas de alguns países se vejam jurídico e politicamente desnaturalizadas pela ingerência de estratégias geopolíticas do Pentágono e/ou da OTAN. América Latina (com Nicarágua, Venezuela e Cuba como frentes prioritários) e os Estados Unidos com Rússia (Síria e Ucrânia como frentes prioritários) são os principais palcos do teatro de operações dessa estratégia. As áreas de possível expansão chinesa e permanentemente o Oriente Médio são os cenários do conflito, em segundo lugar. Os governos dos Estados em que a oposição política atua como força beligerante da estratégia global de uma potência estrangeira respondem, se podem, dentro dos limites de seu direito penal e, senão, forçando a interpretação do direito penal. A prioridade é assegurar a segurança do Estado e a soberania nacional. Isso não ocorre somente nos países onde os EUA aplicam sua estratégia ofensiva, mas em qualquer país em que o enfrentamento entre integrados e excluídos ponha em questão a Segurança do Estado. Colômbia, Equador e Chile foram exemplos recentes. Ainda que a China ou a Rússia não tenham gerado esses conflitos civis, obviamente será conveniente explorá-los em proveito próprio porque ocorrem dentro da área de hegemonia norte-americana. Que resposta a este conflito vem dando até agora a “liga progressista” de América Latina? O denominado Grupo de Puebla, hoje hegemonizado pelos presidentes do México, López Obrador, e da Argentina, Alberto Fernández, trata de defender uma ambígua posição intermediária, se negando à ingerência intervencionista aberta, porém condenando politicamente a dura aplicação do direito penal aos opositores aliados dos EUA em países como Nicarágua, Venezuela e Cuba. Esta ambiguidade de alguns países latino-americanos se deve à forte dependência financeira e geopolítica de Washington com a simultânea e crescente integração econômica até das próprias oligarquias agroexportadoras da América Latina com o mercado asiático. Esse interesse por novos sócios do modelo agroexportador tradicional vem crescendo com as inversões chinesas e russas na indústria extrativa para exportações mineiras, com as inversões em infraestrutura e com a transferência de tecnologias alternativas às multinacionais. A dinâmica desses enfrentamentos sociopolíticos em Cuba, Venezuela e Nicarágua não exige somente um posicionamento dos governos da região, senão também de toda a esquerda do continente. Esta esquerda nas últimas décadas têm mantido seus posicionamentos de solidariedade internacional com os traços próprios dos enfrentamentos ideológicos do século XX porém “aggiornados” em sua ação política doméstica com o giro ideológico ao progressismo liberal, que se foi impondo atrás a implosão da URSS e o consequente descrédito das lutas revolucionárias, por um lado, e ao dogma marxista por outro. Recentemente, por exemplo, líderes reconhecidos como os ex-presidentes do Uruguai, José Mujica, e do Brasil, Lula da Silva, tiveram pronunciamentos críticos sobre a situação política da Nicarágua defendendo a democracia liberal, objetivamente coincidentes com as fake news impostas pelo oligopólio midiático globalizado. Que fizeram politicamente Mujica e Lula? Aderiram às posições predominantes no Grupo de Puebla. De fato, se alinharam com as posições diplomáticas dos governos de AMLO e Alberto Fernández. A declaração de Mujica foi que as decisões institucionais de Nicarágua governada pelo sandinismo lhe parecia “um ideal, por qual morreram muitos companheiros, e que se desvirtuou”. Porém sua crítica do suposto desvio de ideias revolucionárias dos sandinistas é inconsistente com sua gestão presidencial, que não teve nada que ver com os ideais revolucionários dos Tupamaros. A declaração de Lula foi mais sofisticada, porém não menos contraditória: disse que não sabia o que passava na Nicarágua. Entretanto, ainda assim, instigou para que Daniel Ortega não abandonasse a liberdade de empresa e a liberdade de imprensa que são as bases das liberdades democráticas, sob a pena de convertesse em um ditador, falando com um tom crítico como se soubesse que na Nicarágua não existe nada do que ele exige. Por outro lado, os ideais de Lula em 1979 eram a liberdade de empresa e a liberdade de imprensa para sustentar a democracia liberal? Devo refutar as críticas de Lula reiterando as 13 REALIDADES QUE EXPLICAM A SITUAÇÃO DA NICARÁGUA, que expus faz poucos dias em um documento. A “progressiva liberal” latino-americana tem condições titubeantes porque pretende aparecer como herdeira dos projetos revolucionários de meio século porém as convertendo na “esquerda do sistema” que antes questionavam, sem que seja mediada por alguma reelaboração do projeto transformador das estruturas da dependência nacional e da injustiça social. Que grau de consistência tem esse “pseudoterceirismo” dos “progressistas da América Latina”? É uma posição sustentada na conduta do avestruz, para não ver que estamos em uma guerra mundial recém iniciada e que seguirá agudizando as “frisuras” (de seus próprios países. “Esconder a cabeça” os permite ignorar que a guerra é a continuação da política POR OUTROS MEIOS. No caso do México é gravíssimo, ao extremo de que alguns o qualificam de Estado falido; os bandos de narcotraficantes que abastecem ao mercado dos EUA tem capacidade para substituir ao poder de política do Estado nos seus “territórios liberados”. A situação de Brasil vai caminhando ao questionamento da ordem jurídica e democrática, como o próprio encarceramento de Lula evidencia. O caso argentino mostra uma crise socioeconômica, política e sanitária que vai caminhando para reproduzir de forma agrava suas conhecidas hecatombes “cíclicas”. Enquanto o Uruguai não poderá substituir as derivas de Argentina e Brasil. Nenhuma potência pode ganhar a guerra mundial nuclear. Nenhuma classe social, nem nenhum setor político pode ganhar uma guerra civil que conduz a desintegração nacional. Que podemos fazer? Propus em reiterados documentos políticos e em artigos publicados em revistas científicas**. Que essa crise sistêmica que nos arrasta à destruição, com tendência à desintegração nacional e o risco para a subsistência da espécie humana, somente pode ser solucionada pela construção negociada e pactuada de uma Nova Ordem Mundial com um Novo Sistema Monetário Internacional, e pelo pacto de novos Contratos Sociais nacionais, antes que seja tarde demais. Admito que a experiência histórica da humanidade não respalda meu desejo. Porém, tenho a experiência de que o conhecimento acumulado da humanidade dê seus frutos sobre: a) as guerras passadas b) a capacidade destrutiva das atuais armas de destruição massiva e das novas tecnologias de ciberguerra; c) a evidência que os resultados das recentes guerras civis em Iugoslávia, Iraque, Líbia e Síria d) o conhecimento científico acerca da destruição do equilíbrio ecossistêmico que nos permite a vida como espécie, Tenho a esperança de que tudo isso, incentivado pelo mais primitivo instinto de sobrevivência da espécie, permita que as elites governantes, em todas as instituições e em todas partes, sejam capazes de entender que, na realidade atual, a única solução não suicida é pactuar um armísticio realista antes que a guerra se desdobre em toda sua plenitude. A opressão colonialista, neocolonialista e imperialista dos povos periféricos do mundo é não somente uma injustiça clamorosamente inaceitável, senão também algo catastroficamente insustentável. A exploração econômica destrutiva da natureza não é somente a ignorância de que todos os humanos somos mais um ser do sistema vivo da biosfera, senão também algo catastroficamente insustentável. A pretensão de impor que EUA seja a potência beneficiária privilegiada de um mundo unipolar é não somente uma fantasia inviável, senão também algo catastroficamente insustentável. A pretensão de impor a todos os povos do mundo o supremacismo institucional do liberalismo individualista é não somente um culturalismo cultural inadmissível, senão também algo catastroficamente insustentável. O desenvolvimento sustentável necessário para salvaguardar a sobrevivência da própria humanidade exige consistência e coerência de respeitosa sustentabilidade econômica, ecológica, social e política tanto na ordem mundial como em cada país. 05 de agosto de 2021.


charge originalmente publicada em 6 de maio de 2021 no jornal chinês Global Times



* Mário Eduardo Firmenich é Doutor em Economia pela Universidade de Barcelona e dirigente histórico da vertente revolucionária do Peronismo. ** Ver: FIRMENICH, M. E., (2017), “The Systemic Global Crisis: A Long Cycles Approach with a Political - Economic Perspective”, Estudios de Economía Aplicada, Volumen 35 – 3, septiembre 2017, pp. 555 – 574, Madrtid, ASEPELT Asociación Internacional de Economía Aplicada, ref. e- 35505 Tradução: Gustavo Santos Revisão: Fabrício Gonçalves.








 
 
 

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