DISCURSO NA SOLENIDADE DE ENTREGA DA MEDALHA MINERVA DE MÉRITO ACADÊMICO À ANITA L. PRESTES
- grupomonizbandeira
- 8 de nov. de 2022
- 5 min de leitura
*Texto gentilmente cedido pelo Instituto Luiz Carlos Prestes
7 de novembro de 2022, Salão Nobre do prédio do Largo de São Francisco, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro.
Boa tarde!
Desejo de início expressar meus agradecimentos à Magnífica Reitora
da UFRJ, Profa. DENISE PIRES DE CARVALHO, pela honraria, inesperada para mim, de ser agraciada com a Medalha Minerva de Mérito Acadêmico da UFRJ.
Estendo meus agradecimentos ao Vice-Reitor da UFRJ, Prof.CARLOS FREDERICO LEÃO ROCHA; ao Decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Prof. VANTUIL PEREIRA; ao Diretor do Instituto de História, Prof. ANTÔNIO CARLOS JUCÁ DE SAMPAIO; ao Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC), Prof. PAULO DUARTE SILVA; a todos os membros do CONSELHO UNIVERSITÁRIO da UFRJ; ao Prof. MARCOS CESAR DE OLIVEIRA PINHEIRO pelas palavras pronunciadas a meu respeito; aos meus colegas do PPGHC e a toda a comunidade da UFRJ, constituída pelos seus professores e funcionários e por nossos alunos.
Devo dizer que essa honraria possui para mim um valor especial por ter sido uma iniciativa dos meus colegas da Pós-Graduação, que conhecem de perto meu trabalho de anos na UFRJ. Sinceramente, eu não esperava ser
merecedora de tal reconhecimento, pois considero que, durante os anos de minha atuação no curso de História da UFRJ, limitei-me a ser uma professora consciente do nosso papel de transmissores de conhecimentos, mas também de formadores de cidadãos brasileiros, dispostos a contribuir para um futuro de dignidade, de justiça social, de democracia e de felicidade para o nosso povo.
Tenho orgulho de pertencer aos quadros docentes da UFRJ por dois motivos principais:
Em primeiro lugar, sua excelência acadêmica: como é sabido, a UFRJ está incluída no ranking das melhores universidades do mundo.
Conheci de perto tal excelência tanto como aluna, há muitos anos atrás, quanto como professora, nos últimos trinta anos de atividade permanente.
Como tantos outros colegas, procurei desenvolver da melhor maneira possível as atividades relacionadas com o ensino, a pesquisa e a extensão-aspectos fundamentais da existência e do funcionamento da universidade pública brasileira, autônoma, gratuita e inclusiva. Uma universidade em que sempre teve lugar de destaque a preocupação com a garantia de acesso aos seus quadros dos setores mais desfavorecidos da nossa população. Uma universidade em que sempre se lutou contra o obscurantismo, contra as repetidas tentativas de sua privatização e de exclusão social.
Em segundo lugar, recordo as tradições de resistência e luta da comunidade acadêmica da UFRJ pela democracia, contra o fascismo e por justiça social para todos os brasileiros e brasileiras. São conhecidas as suas manifestações de repúdio aos governos ditatoriais seja no Estado Novo seja no período da ditadura militar que infelicitou nosso país durante 21 anos.
Grande número de professores, funcionários e estudantes da UFRJ sofreram os mais variados tipos de perseguição policial e por parte das instituições militares do país. Tivemos inúmeros colegas e numerosos estudantes expulsos da universidade, presos, torturados, desaparecidos e assassinados.
Jamais esqueceremos o legado de resistência e luta desses compatriotas, cuja contribuição foi decisiva para a reconquista de um regime
democrático no Brasil, embora com limitações conhecidas, dentre as quais há que ressaltar a impunidade dos torturadores do período ditatorial, acusados de cometer crimes imprescritíveis segundo a legislação
internacional.
Aproveito a ocasião para lembrar um episódio importante na história da então Universidade do Brasil, hoje UFRJ: a primeira grande manifestação, de repercussão internacional, de repúdio ao governo ditatorial implantado
em 1964.
Ainda no início do governo militar do marechal Castello Branco, fora decretada a chamada Lei Suplicy de Lacerda, nome do então ministro da Educação, cujo objetivo principal era a extinção do movimento estudantil brasileiro, então politicamente muito participante. Para acabar com essa participação, a Lei procurou destruir a autonomia e a representatividade do movimento, deformando as entidades estudantis, em todos os escalões, ao transformá-las em meros apêndices do Ministério da Educação, dele
dependentes em verbas e orientação.
A aprovação dessa lei contribuiu para mobilizar os estudantes na luta
pelas liberdades e pela reconquista dos direitos e avanços perdidos depois do
golpe. Na época, estudante de Mestrado, eu fazia parte do Comitê Universitário do PCB aqui no RJ e me orgulho de ter participado dessa ação.
Assim, decidimos aproveitar o esperado comparecimento do ditador Castello Branco à aula inaugural da Universidade do Brasil, em março de 1965, para promover uma manifestação de repúdio à ditadura que obtivesse repercussão nacional e internacional. Mobilizamos nossos companheiros de algumas organizações de base do partido nas faculdades, mantendo o cuidado para que nada transpirasse da ação, prevista para o dia 9 de março no salão nobre da Escola Nacional de Arquitetura, na ilha do Fundão.
Apesar de ter fracassado nossa ideia de lançar um macaco (símbolo dos “gorilas”) vestido com a faixa presidencial, para ser usado como surpresa durante a cerimônia, devido à falha no sonífero a ele aplicado pelos nossos companheiros da Faculdade de Medicina, houve a vaia estrondosa recebida
por Castello Branco durante essa aula inaugural de 1965, na Universidade do Brasil, na presença de autoridades do Governo e do corpo diplomático acreditado no RJ.
Cinco estudantes foram presos na ocasião e ameaçados de serem torturados pela polícia do Exército; a repercussão da vaia, no entanto, foi enorme, noticiada inclusive no Le Monde de Paris e em outros jornais europeus. Os estudantes presos receberam solidariedade dos Diretórios Acadêmicos e da União Metropolitana dos Estudantes - que, a propósito, emitiu nota oficial de protesto, o que garantiu a soltura deles. Dias depois incidente semelhante repetiu-se na aula inaugural da Faculdade Nacional de Filosofia, também da Universidade do Brasil, durante a qual quase todos os alunos se retiraram ao ser anunciada a palavra do ministro Luís Viana Filho, chefe da Casa Civil da Presidência da República, também devidamente vaiado. Nunca mais, como era até então tradição, um presidente da República compareceu à aula inaugural da Universidade do Brasil, cujo nome seria posteriormente substituído por Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
Acontecimentos como esses precisam ser lembrados e cultivados pelas novas gerações da UFRJ, especialmente num momento como o que estamos atravessando nos últimos anos de império do obscurantismo em todos os setores da vida nacional, em particular nas áreas da educação e da cultura.
Sem mobilização e luta, não conseguiremos superar a situação atual de verdadeira tragédia nacional.
O exemplo das lutas do passado, assim como a vitória conquistada com a eleição do presidente Lula - uma vitória da democracia contra a barbárie e contra o fascismo -, nos devem inspirar no sentido de intensificar nossos esforços na consolidação do resultado eleitoral e na conquista de um regime democrático de efetiva participação popular e de respeito aos direitos elementares de todos os cidadãos brasileiros - direitos destruídos e abandonados durante os últimos anos pelos governos Temer e Bolsonaro.
Nesta ocasião solene, não posso deixar de homenagear dois professores, que foram decisivos na minha formação acadêmica como historiadora: a Profa. Maria Yedda Leite Linhares, orientadora da minha tese de doutorado sobre a Coluna Prestes; e o prof. Ciro Flamarion Cardoso, a meu ver, o maior historiador marxista brasileiro dos últimos 50 anos, cuja inestimável contribuição para o avanço da pesquisa histórica no Brasil e a
formação de jovens historiadores comprometidos com os interesses populares e as ideias de progresso social deve ser sempre lembrada.
Também não posso deixar de homenagear nesta data os 105 anos da Grande Revolução de Outubro na Rússia, considerada por Eric Hobsbawm o maior acontecimento da História do século XX, formulando votos que o exemplo glorioso dessa Revolução inspire as novas gerações na luta por justiça social e uma democracia autêntica para toda a humanidade.
Por último, minhas homenagens são para meus pais, Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, minha avó Leocadia Prestes, que salvou minha vida das garras do nazismo, e minha tia Lygia Prestes, minha segunda
mãe. O exemplo e o incentivo dessas pessoas da minha família foram decisivos para minha formação como cidadã, como comunista, como intelectual marxista e como historiadora.
Mais uma vez, muito obrigada à UFRJ pela concessão que me está
sendo feita da Medalha Minerva de Mérito Acadêmico!
Anita Leocádia Prestes, 7 de novembro de 2022.



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