Da Rússia de Kiev até a Rússia Soviética
- grupomonizbandeira
- 7 de mar. de 2022
- 13 min de leitura
Atualizado: 8 de mar. de 2022
Uma perspectiva de longa duração sobre as disputas pelo Donbass
Por: Célio Novais*

Imagem: Cossacos de Zaporíjia escrevem carta jocosa de resposta ao Sultão Otomano Mehmed IV, pintura de Ilya Repin datada de 1880, Museu Estatal Russo de São Petersburgo.
Kievan Rus, A Rússia Medieval
No capítulo 11 da obra “A Desordem Mundial – O Espectro de Dominação Total”, Luiz Alberto Moniz Bandeira faz uma análise histórica de longa duração, começando na Alta Idade Média, no século IX desde o Grão-Principado de Kiev, fundado pelos conquistadores vikings (ou “Varegues”) vindos da Suécia, nos territórios dos Eslavos Orientais ainda em meados do século IX da Era Comum até o contexto pré-revolucionário da Rússia no início do século XX. Sua investigação é profunda, tentando encontrar raízes históricas que expliquem de maneira mais sofisticada as origens das disputas na região, da questão ucraniana e das disputas pelo Donbass, o que Moniz Bandeira acaba discutindo nos capítulos anteriores. É inevitável pra nós entendermos aqui alguns de seus pontos fundamentais. Os chamados “Eslavos Orientais”, atuais russos, ucranianos e bielorrussos, possuem uma origem em comum menos remota do que o senso comum imagina. Também vale ressaltar que o capítulo responde muito bem algumas perguntas, como – “A Ucrânia possui alguma importância simbólica pros povos Eslavos?” - Em parte, sim, o primeiro Estado Russo, “nasce” em Kiev, embora, como vamos ver neste capítulo, fosse extremamente descentralizado, algo característico de um modelo “Feudal” na Europa, ainda mais numa parte tão inóspita e periférica do continente e fossem liderados inicialmente por estrangeiros, vikings, varegues, varangianos, escandinavos ou qual nome queiram usar, claro.
Esses invasores escandinavos rapidamente viriam a se integrar à cultura dos povos Eslavos da região e mesclando-se numa cultura própria, sendo chamados tanto pelos próprios cronistas Eslavos quanto pelos Bizantinos de “Rus”, nome que dá origem à Rússia. Rurik I de Ladoga, um legendário mercenário viking, provavelmente de origem sueca, teria vindo com seus dois irmãos e um grupo de guerreiros como mercenários para defender a cidade de Ladoga contra seus rivais Eslavos. Rapidamente Rurik toma o controle de Ladoga e provavelmente, também de Novgorod. Seu filho, Oleg I transfere a capital para Kiev que passa a ser a capital do recém fundado Grão-Principado de Kievan Rus (“Rússia de Kiev”).
Porém durante o primeiro século de existência o Principado se fragmenta por disputas dinásticas entre os descendente de Rurik, mas é rapidamente reunificado a partir do Principado de Novgorod, por Vladimir I Ryurikovich, o Grande, em 980 e os Eslavos Orientais (atuais russos, bielorrussos e ucranianos) finalmente se unificariam num único Estado, com um código comum de Leis e se converteriam ao Cristianismo Ortodoxo devido à forte influência Bizantina. As relações entre os Russos medievais e Bizâncio era, ora de hostilidades, ora de paz e alianças, de qualquer maneira os Rus se beneficiariam com o comércio através do Mar Negro com o Império Romano do Oriente (Bizantino). Seus domínios se estenderiam até as terras dos nômades turcos convertidos ao Judaísmo, os Casares (que Moniz Bandeira destaca como provável origem dos Judeus Askhenazis) ao Sul, ao Oeste nos Cárpatos e nos Pântanos de Pinsk onde ao Oeste dali ficavam seus “primos católicos”, os Poloneses, e ao norte até o Lago Ladoga e as gélidas florestas entre seus territórios e a Finlândia (região da Carélia e o Mar Branco), ao leste seu domínio se estenderia até chegar nas terras habitadas por outra tribo túrquica islamizada, os Volga Bulgar (“Búlgaros do Volga”), outros povos fino-ugros (parentes distantes dos magiares/húngaros, finlandeses, estonianos, etc) também habitavam a região, principalmente nas tundras geladas do extremo norte, além de partes do vale do rio Volga até os sopés dos Montes Urais.

Imagem: mapa da máxima extensão territorial do Grão-Principado Russo de Kiev e todos os seus Principados vassalos em 1237, quase às vésperas das conquistas mongóis.
O Impacto das Invasões Mongóis e a fragmentação da Rússia
Já no século XIII, Kievan Rus, cai sobre domínio dos invasores Mongóis, sendo Kiev saqueada e destruída pelas hordas orientais por volta de 1240. Tal situação se inverteria no final do século XV, sob liderança de Ivan III, o Grande, que a partir do Principado de Moscou, conquistaria Novgorod, na época como uma República fazia alguns séculos e que rivalizava a hegemonia sobre os Principados Russos com Moscou, além de expulsar definitivamente os Mongóis do Canato da Horda de Ouro em 1478 (um dos vários Canatos vassalos do antigo Império Mongol).
Se aproveitando desse clima de instabilidade, os antigos territórios do Grão-Principado de Kiev seriam fragmentados nesse espaço entre o século XIII até o início do que poderíamos chamar de “reconquista” russa a partir do final do século XV. As partes ocidentais, ao oeste do rio Dnieper, caíram sobre o domínio da Comunidade (Commonwealth) Polaco-Lituana (valendo lembrar que eles eram Católicos, enquanto ucranianos e bielorrussos eram ortodoxos), enquanto os Tártaros (outro povo túrquico islamizado) que posteriormente viriam a se tornar vassalos dos Turcos Otomanos, se apoderariam do Sul, às margens do Mar Negro.
O Império (Russo) contra-ataca
O Império Russo durante o reinado de Ivan IV, o Terrível (1530-1584) ficaria com todos os territórios entre o Dnieper (rio que mais ou menos divide a atual Ucrânia ao meio e que também corta a cidade de Kiev), se estendendo ao norte até o Mar Branco e a Carélia e até no sul se estendendo até Kiev e se se expandindo ao leste sobre os antigos dominadores tártaros e mongóis, absorvendo diversos Canatos da região, incluindo o Canato de Kazan. A Rússia se apodera dessas terras ao sul, onde hoje fica a região do Donbass (tanto o lado que hoje é russo ao leste entre o rio Don e o Volga, quanto o lado ucraniano ao oeste entre o Don e o Dnieper), onde usam seus recursos minerais, principalmente o carvão, pra desenvolver suas primeiras grandes iniciativas manufatureiras. Ivan, o Terrível, é o primeiro a adotar o título de czar, que remetia ao título romano de Caesar, dando uma ideia de continuidade com o legado do Império Bizantino e de legitimidade sobre a parte Cristã Ortodoxa do Leste Europeu, onde o Império Bizantino já havia acabado definitivamente pelas mãos dos Otomanos em 1453. Esse “Estado” russo inicial se caracterizava mais como uma amálgama de etnias administradas de Moscou do que o Estado centralizado que viria a ser nos séculos seguintes. Na virada do século XVI pro XVII, o Império passaria por uma série de crises sucessórias, turbulências, instabilidades e Guerras Civis que poriam fim à Dinastia Ryurikovich e dariam lugar à uma nova Dinastia que governaria o Império até o seu fim em 1917, a Dinastia Romanov, eleito por uma Assembleia de Nobres ou Boiardos, Mikhail (Miguel) I, Romanov (1596-1645) assumiria o trono tentaria estabilizar a situação interna do país, mas seria com seu terceiro neto, o czar Pyotr (Pedro) I, o Grande (1682-1725) que o Império fundaria seus alicerces institucionais e administrativos, bem como iniciaria seu processo de expansão ao Sul e Oeste, contra a Polônia-Lituânia e a Suécia (que na época tinha a hegemonia sobre a bacia do Mar Báltico), após a vitória russa na chamada “Grande Guerra do Norte” (1700-1721). Vale salientar também, que foi durante essa guerra que Pedro I, funda a cidade de São Petersburgo em 1703, na foz do rio Neva (que liga o lago Ladoga ao Golfo da Finlândia) que passou a ser uma fortaleza e porto estratégico para se defender e atacar suecos durante a guerra, de certa maneira é a partir daí que a Rússia se abre por mar, diretamente ao “Ocidente”.

Imagem: pintura de Alexander Kotzbue datado de 1862, “A Vitória em Poltava” representando os soldados suecos se rendendo ao czar Pedro I, O Grande após a derrota na “Batalha de Poltava”, em 8 de Julho de 1709. Vale lembrar que Poltava hoje em dia fica no lado oriental da Ucrânia e nessa batalha alguns cossacos ucranianos sob liderança do famoso atamán Ivan Mazeppa lutaram do lado das forças suecas lideradas pelo rei Carlos XII, enquanto outros, liderados pelo atamán Ivan Skoropadsky lutaram ao lado das forças russas. Carlos XII da Suécia conseguiu fugir com alguns soldados suecos e cossacos e se refugiou por um tempo no Império Otomano após sua derrota. Pedro I, o Grande, continuou seu processo de expansão mais ao Sul, já adentrando os territórios Tártaro-Otomanos, até chegar à costa do Mar Negro. Pintura de Alexander Kotzbue de 1862, Museu Hermitage de São Petersburgo.
Moniz Bandeira relaciona esse contexto de “guerra constante” a um impulso para o desenvolvimento de um complexo industrial militar na Rússia, aqui um trecho que exemplifica bem esse contexto já no início do século XVIII: “Não apenas a Grande Guerra do Norte contra a Suécia, ocorrida entre 1700 e 1721, o combate aos tatars, turcos e nogais, cujas tribos, na Idade Média, habitavam a península da Crimeia e o entorno do Mar de Azov, mas outros conflitos com a Polônia e Lituânia foram os fatores, interalia, que compeliram o Império Russo a robustecer o exército, sobretudo a partir de Pedro I, o Grande, de modo a prover os meios militares necessários à consolidação de sua existência permanente como Estado”. (MONIZ BANDEIRA, 2016, pp. 168-169).

Imagem: mapa da “Novorrosyia” em 1897 ou “Nova Rússia”, esse rio maior bem no meio é o rio Dnieper. Foto extraída diretamente do livro “A Desordem Mundial” de Luiz Alberto Moniz Bandeira de 2016.
A partir do reinado da czarina, Cataria II, a Grande (1729-1796), o Império Russo passa a expandir cada vez mais ao sudoeste, em direção aos territórios direta e indiretamente controlados pelo Império Turco-Otomano. Em diversas campanhas militares bem sucedidas, as tropas russas chegam ao Mar Negro. Essas novas regiões conquistadas (algumas delas, “reconquistadas”, pois faziam parte da Rússia medieval, ou a “Rússia de Kiev”) passam ser chamadas de “Nova Rússia” (Novorrosiya), diversas cidades são fundadas ali pelos russos, como Donetsk e Luhansk (na região do Donbass), Zaporizhia (nas estepes ao oeste do rio Dnieper), Nikolayev (na foz do rio Dnieper), Kherson (também próxima a foz do Dnieper), Dnepropetrovsk (antiga Yekaterinosla, fundada como homenagem à imperatriz Catarina II, no médio curso do Dnieper), Mykoilav (também próxima a foz do Dnieper) e Odessa (na costa do Mar Negro, onde ficava a antiga colônia grega de Odesus, entre a foz dos rios Dniester e Dnieper). Em Odessa fora construído um importante porto e base naval de onde o Império Russo projetaria seu poder ao sul, na bacia do Mar Negro, onde continuaria rivalizando o controle e hegemonia da região com os Otomanos.

Imagem: pintura representando a czarina ou Imperatriz Catarina II, a Grande (única monarca mulher a receber tal epíteto) de Dmitry Levitsky datada de 1782.
Já em 1771 o Canato da Crimeia era conquistado pela primeira vez pelos russos. Nessa época ele era habitado por outras etnias túrquicas, como os já mencionados Nogai e Tártaros (ambos islamizados) e num passado mais remoto pelos Casares (tribos túrquicas convertidas ao Judaísmo e que Moniz Bandeira aponta como uma provável origem dos Judeus Askhenazim). Porém foi só em 1782 que essa região cai sobre domínio russo, onde o príncipe Grigory Potionkim (amante da imperatriz Catarina II) lidera a conquista definitiva da região. Potionkim também lidera a construção do importante porto de Sevastopol, no sul da península da Crimeia. No século seguinte, entre 1853 e 1856, as maiores potências imperialistas da época, Inglaterra e França, auxiliam o Império Otomano (já num processo de decadência) a retomar a Crimeia, bem como a travar o avanço russo por terra através dos Bálcãs, quando os russos tentaram conquistar a capital Otomana na época, a cidade de Constantinopla (atual Istambul e antiga Bizâncio), outrora capital do Império Romano do Oriente (Bizantino) e sede original da Igreja Ortodoxa, da qual o Império Russo passava a se colocar como novo representante e protetor. Sevastopol fora duramente bombardeada por essa aliança durante esse período, a guerra terminaria pelo Tratado de Paris de 1856, onde os russos seriam proibidos de manter uma frota no Mar Negro, mas seria reconhecido pela França, Grã-Bretanha, Sardenha e Piemonte (que mais tarde unificaria a Itália) e o Império Otomano a soberania russa sobre a Criméia e os portos de Sevastopol e Balaklava seriam devolvidos aos russos. A Valáquia e a Moldávia (que mais tarde formariam a Romênia) e a Sérvia continuariam sob domínio Otomano, enquanto a Lodoméria e a Galícia continuariam sob domínio do Império Austro-Húngaro (que foi ocupado por eles durante a Partilha da Polônia em 1772).
“A Ucrânia sempre foi um território heterogêneo, penetrado, através dos séculos, por diversas culturas, religiões e tendências políticas. Nunca teve unidade étnica, homogeneidade cultural nem fronteiras definidas, ao longo da história. Foi fragmentada muitas vezes e crucificada por quatro Estados (...)”. (TROTSKY, apud: MONIZ BANDEIRA, 2016, p. 170).
Ucrânia, de “Pequena Rússia” para uma Nação
A Ucrânia nunca constituiria um país. Nos mapas do século XVI e XVII ela aparecia descrita como uma parte da Comunidade da Polônia-Lituânia chamada de “Pequena Rússia”. Os Cossacos que dominavam a região, como mencionado rapidamente anteriormente aqui quando discutíamos sobre a “A Grande Guerra do Norte”, acabavam ora jurando lealdade aos Czares, ora aos Reis polaco-lituanos, ora aos Califas otomanos, sendo pela primeira vez integrados à Rússia durante o reinado de Aleksey I (1629-1676), mas só seriam definitivamente integrados durante o reinado de Pedro I, o Grande, como mencionado anteriormente.
A Ucrânia só passa a ser reconhecido como “Estado-Nação” em 1917, após a Revolução de Fevereiro de 1917, que derrubou o czar Nicolau II, e fora instituída uma Rada (Assembleia) ucraniana em Kiev, essa autonomia fora mantida e expandida em termos territoriais após a Revolução Bolchevique de Outubro de 1917. Cabe mencionar que a autonomia ucraniana não fora bem aceita pelos líderes da Revolução de Fevereiro que viam na autonomia ucraniana uma justificativa de trazer caos e anarquia para a Rússia, que vale mencionar, ainda estava atolada em meio à Primeira Guerra Mundial. Os Bolcheviques, sob liderança de Vladimir Lênin, atendem às demandas de autonomia da Rada Central de Kiev, apesar do fato contraditório, dela ser dirigida majoritariamente por grandes médios proprietários de terra, alguns representantes do campesinato e de uma classe média intelectualizada muito mais centrada em Kiev (dado ao fato que a parte ocidental da Ucrânia era muito mais “rural” que a parte oriental e “mais russa” do Donbass). Cabe mencionar que Lênin também ponderou a favor dessas demandas por autonomia, pois os líderes ucranianos não tinham nenhum desejo de separarem da Rússia.
Essa situação muda quando logo após a Revolução de Outubro, dá-se início à sangrenta “Guerra Civil Russa”. Em 1918, o general czarista de origem cossaca, Pavel Skoropads’kyi conquista Kiev e institui um país independente antissoviético, esmagando os soviets (conselhos populares) dos trabalhadores e ocupando a Rada de Kiev. No final de 1918, dentro também do contexto da derrota iminente das Potências Centrais na Primeira Guerra Mundial (Áustria-Hungria, Alemanha e Império Otomano), Skoropads’kyi fora derrubado pois ficaria sem o apoio militar dessas potências limítrofes e outra facção o substituiria, a de Simon Petlyura, que fundou a “a República Popular da Ucrânia”. Enquanto isso, a guerra de classes continuava sangrenta no Donbass onde os Cossacos pró-czaristas (contrarrevolucionários) liderados pelo General Sviatoslav Denisov, passavam a cometer brutalidades contra os operários da região que em grande parte combatiam ao lado do Exército Vermelho, Bolchevique.

Guerra Civil Russa e o nascimento da Ucrânia Soviética
Em 1918 entre Kharkov (Járkov) e Donetsk, os Bolcheviques formam a República Popular Soviética de Donetsk e Krivoy-Rog sediadas em Kharkov e Luhansk, inicialmente centrada em torno do baixo rio Donets (afluente ocidental do rio Don) se estendendo até o Mar de Azov ao sul, expulsando as forças contrarrevolucionárias cossacas e estrangeiras da região. Em Odessa, Bolcheviques, Narodiniks (“Populistas” russos) e Anarquistas se unem pra expulsar as forças nacionalistas ucranianas, enquanto que na Crimeia os marinheiros fazem um levante e tomam a cidade de Sevastopol e proclamam a “República Soviética da Taurida” (que remete ao antigo nome da região dada pelos antigos gregos quando a colonizaram na Antiguidade, no séc. V a.c., a qual chamavam de Taurica),expulsando os clérigos muçulmanos tártaros e a burguesia e aristocracia russo-ucraniana de lá, mas são derrotados por uma invasão alemã com apoio dos tártaros.
Enquanto isso no coração rural da Ucrânia ocidental, na região da Zaporizhia, dá-se início à rebelião anarco-comunista liderada por Nestor Makhno, que vai se estender dali até o Mar de Azov, tomando importantes cidades da região, como Alexandrovski, Melitopal, Mariupol, Yekaterinoslav até o porto de Mariupol no Mar de Azov. Não só combatendo as forças nacionalistas ucranianas de Petlyura, como posteriormente também as forças czaristas lideradas pelo General Anton Denikin (também combatidas pelos Bolcheviques), como posteriormente também lutariam contra as forças do Exército Vermelho bolchevique, essas forças anarquistas formariam o Exército Insurrecional da Ucrânia, apelidado de “Exército Negro”, onde implementariam uma política “libertária” do exercício político dos sovietes sem uma autoridade central e/ou individual, por meio de uma democracia direta, sem a existência de um Estado.
O Exército Vermelho, liderado pelo General Mikhail Frunze (cujo o nome advém a famosa Academia Militar Soviética Frunze), derrotaria tanto o Exército Branco contrarrevolucionário liderado pelo General Wrangel, as forças nacionalistas de Petlyura e finalmente derrotando as forças de Makhno ao norte da Península da Criméia, na península de Chongar, no Mar de Azov e no istmo de Perekop, entre o continente e a península da Crimeia.
Importância geoestratégica e econômica do Donbass para o Império Russo e a União Soviética
Pra explicar essa disputa sangrenta pela região do Donbass, Moniz Bandeira faz um flashback de volta ao século XVIII quando a região é incorporada definitivamente ao Império Russo durante o reinado de Pedro I, o Grande. O Donbass bem como o restante da Ucrânia (principalmente o sul, que juntos formariam a chamada “Nova Rússia”), passa a ser uma região vital para o Império Russo, tanto para manter sua defesa e integridade territorial como para projetar sua expansão territorial e esfera de influência geopolítica, primeiro ponto, a região tem uma importância geoestratégica no que tange a projeção de poder russa para o Mar Negro, de onde os vários portos da região, como Sevastopol, Odessa, Kherson, Mariupol, Nikolayev, etc, de onde a Rússia construiria sua frota na região afim de rivalizar com os Otomanos a hegemonia regional.
Segundo ponto de importância que cabe aqui destacar seriam as vastas jazidas de carvão mineral e minério de ferro encontrados no Donbass. No início do século XIX, durante o reinado do czar Alexandre II (1818-1881) foram feitas concessões para a exploração desses recursos principalmente para o capital britânico (cujo carvão era extremamente importante como combustível ainda dentro desse contexto da “Primeira Revolução Industrial”), tal concessão seria comprada pelo empresário galês John James Hughes (1814-1889) que não só passaria a explorar a extração de carvão e ferro ao longo do litoral do Mar de Azov, bem como construiria ali as primeira usinas siderúrgicas voltadas para a produção de ferro e aço fundido, que seriam de extrema importância, por exemplo, para suprir essa demanda crescente de um complexo industrial-militar russo que já começava a se expandir como já mencionado anteriormente, durante do reinado de Pedro I.
Não à toa é no Donbass que logo depois também irá se desenvolver um grande complexo de indústria bélica na região, dado à proximidade de jazidas de matérias primas essenciais à essa indústria, como também a proximidade de portos na região de onde poderiam ser escoadas a produção, como importadas outras matérias-primas e também fornecer o material para a construção, manutenção e expansão da Marinha russa no Mar Negro. Linhas férreas foram construídas na região afim de integrar a extração desses recursos com os polos industriais, como a ferrovia Kursk-Kharkov-Azov. Mais tarde outros capitais europeus entrariam na região, destacando-se o francês, belga e alemão e outros minérios na região também seriam explorados, como o exemplo do manganês, na bacia do Nikopol.
Com o surto industrializante da região, muitos imigrantes russos passaram a trabalhar no Donbass, aumentando ainda mais a presença étnica russa ali, além também de outras etnias de dentro do Império, destacando-se os Judeus fugindo de Progroms de outras áreas de dentro e fora do Império e que passariam a se “russificar”, ou seja, se assimilarem cada vez mais à essa cultura “grã-russa”, embora o russo fosse uma cultura muito mais presente e forte nesses centros urbanos e industriais, enquanto no campo essa amálgama multiétnica entre cossacos (ucranianos), russos, judeus askhenazim, e povos nômades de origem turca como os tártaros, nogais, cumanos, etc, continuasse presente na região. De qualquer maneira para a maioria dos viajantes e empresários ocidentais em seus relatos na região, o Donbass era essencialmente russo, eram braços russos que desenvolveriam a indústria da região que seria a espinha dorsal para as armas de um Império que se expandiria da Polônia até o Mar do Japão, dos mares gelados do Ártico até a cordilheira do Hindu Kush.
* Célio Novais é geógrafo e historiador, também é Secretário de Relações Internacionais do Grupo de Pesquisas e Estudos Estratégicos - Moniz Bandeira.
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