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Cuba, Nacionalismo Revolucionário e o caminho brasileiro ao socialismo

  • grupomonizbandeira
  • 12 de mar. de 2023
  • 9 min de leitura

Atualizado: 30 de mar. de 2023

Gustavo Santos (Grupo Moniz Bandeira)


Comunicação realizada no evento Cuba Melhor Sem Bloqueio – Associação Cultural José Martí – Rio de Janeiro -RJ

Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações – Sintell – Rio de Janeiro – 9 h da manhã


Em seu livro “De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina” Luiz Alberto Moniz Bandeira parte da seguinte indagação para iniciar sua pesquisa: Como a República Democrática da Alemanha, mesmo possuindo os mais elevados índices de desenvolvimento humano e com serviços públicos de altíssima qualidade, teve seu sistema social suprimido pelo Ocidente sem muita resistência popular, enquanto em Cuba, apesar do desaparecimento da assistência soviética, do aperto do bloqueio econômico e das gravíssimas dificuldades ocasionadas pelas guerras não convencionais aplicadas contra ela, manteve o socialismo, o apoio e a mobilização popular de pé e ainda fortaleceu a vigência de sua forma política?

Obviamente, Moniz Bandeira está diminuindo o papel que a operação entre a CIA e o governo contrarrevolucionário de Mikhail Gorbachev tiveram na deposição e prisão de Erich Honecker e a derrubada do muro de proteção antifascista em Berlim. Entretanto, o que importa é que Moniz Bandeira encontrava a chave da manutenção do poder socialista em Cuba no fato da Revolução Cubana ter sido realizada pelo próprio povo como expressão das contradições entre o imperialismo, a dependência e a questão nacional e não somente como resultante do conflito Leste-Oeste que assumiu nova configuração imediatamente após a II Guerra Mundial. Isto é, a revolução na ilha caribenha se deu, sobretudo, devido ao conteúdo secular do nacionalismo anti-imperialista arraigado no povo cubano.

Desse modo, a Revolução Cubana não pode ser vista de outra maneira que não seja como um processo de longa duração, iniciado como luta anticolonialista na Guerra de Dez Anos (1868-1878) liderada por Carlos Manuel de Céspedes, alcançado o elevado conteúdo nacionalista, anti-imperialista e latino-americano durante as batalhas de José Martí e Antonio Maceo nas guerras de independência até chegar na fase entre a geração de Julio Antonio Mella (anos 1920) e a tomada de poder pelo Movimiento 26 de Julio (anos 1950) e assim acirrar as tensões entre o caráter democrático da revolução que derrubou Batista e as medidas nacionalistas e socializantes, passando a verificar por razões que transcendiam o plano das lutas de classes em Cuba que, dentro dos marcos da estrutura legal burguesa, seria impossível manter e desenvolver as conquistas da Revolução, mesmo aquelas de conteúdo mais reformistas como a proteção e promoção da industrial nacional, a inserção independente na política externa, a nacionalização dos recursos estratégicos, o pagamento de salário adequados a reprodução da vida do trabalhador e a reforma agrária.

Esse processo desencadeado pela declaração de Fidel Castro em 1961 de Cuba como primeiro país socialista da América Latina não pode ser dissociado do amplo processo de revoluções democrático-nacionais, dos governos de conteúdo policlassistas que visavam superar o subdesenvolvimento e das contrarrevoluções e golpes que rondaram a América Latina na primeira metade do século XX. Portanto, o caráter socialista da Revolução Cubana deve encontrar seus fundamentos em dois vértices: 1) o nacionalismo arraigado decorrente sobretudo da articulação dialética entre o espírito martiniano e a presença dos EUA desde sua intromissão na Guerra contra Espanha, a imposição da Emenda Platt, a instalação da Base Naval de Guantánamo e outras medidas de ingerência e perversão em Cuba; 2) como a alma martiniana da Revolução Cubana possibilitou que esse processo histórico se nutrisse criticamente dos fatos históricos progressistas e reacionários que ocorriam na América Latina.

Atenta à totalidade nuestramericana, a luta revolucionária cubana pôde subsumir a Reforma Universitária de Córdoba em 1918 e realizar sua renovação de ideias e instituições já em 1925 através da direção da juventude de Mella que um ano antes havia fundado a Liga Anti-Imperialista das Américas, movimento continuado por Fidel a partir da segunda metade dos anos 1940. Durante sua presença no Congresso Latino Americano de Estudantes em Bogotá (1948), Fidel presenciou a revolta popular que tomou conta das ruas de Bogotá, apos o brutal assassinato do líder nacional popular Jorge Eliécer Gaitán nos eventos que ficariam conhecidos como Bogotazo. Mais de duas mil pessoas foram assassinadas nas manifestações que ocorriam durante a IX Conferência Pan-Americana que daria origem a Organização dos Estados Americanos (OEA). Processo, também, que abriria a longa luta entre a insurgência revolucionária das FARC-EP e do Exército de Liberação Nacional Colombiano, ainda vigentes, contra o Narco-Estado de Contrainsurgência e de Terror colombiano.

Desse modo, os rebeldes cubanos se nutriram criticamente não somente do fracasso do assalto ao Quartel Moncada em 1953, episódio que despertou um clarão irreversível nas lutas de massa e nas inúmeras formas de ações clandestinas e conspiratórias do povo cubano. Che que se encontraria com Fidel no México em 1955, havia estado um ano antes na Guatemala, onde ocorreu o golpe contra o governo democrático e popular de Jacob Arbenz através da inovadora modalidade de operação encoberta, inaugurada contra o governo nacionalista de Mossadegh no Irã em 1953. Na Guatemala, um governo que apenas buscava superar as condições de extrema miséria num país dominado pelo latifúndio e como propriedade da United Fruit era invadido por mercenários agrupados e treinados pela CIA na Nicarágua de Somoza e em Honduras. É, portanto, pertinente recordar que os irmãos Allen Dulles (diretor da CIA) e Foster Dulles (chefe do Departamento de Estado norte americano) eram os principais acionistas da United Fruit.

No período em que antecedeu o assalto ao poder pelos rebeldes cubanos, pode ser verificada o definhamento da Revolução Boliviana de 1952, que se descaracterizava com suas concessões ao capital estadunidense e as indenizações que entravavam o desenvolvimento das forças produtivas, ainda que fosse justamente nessa experiência de poder dual que os cubanos tomaram para si a necessidade de formar milicias populares. Isso sem esquecer que o suicídio de Vargas perturbou o imaginário dos revolucionários e reformistas radicais em toda América Latina e em Cuba não foi diferente, e assim tomaram para si a lição deixada pelo marxista boliviano René Zavaleta Mercado que salientou que:

Os reformadores, em todo caso, não podem ser moderados porque suas reformas, não importa se moderadas ou não, são interpretadas sempre pela classe dominante como uma ameaça total; portanto, é melhor ir mais longe do que se quer ir porque daí se pode retroceder até onde se queria chegar. Do contrário, a proposição da mera reforma só pode adquirir o conteúdo de uma provocação sem possibilidades[1].


Assim, chegamos à compreensão de que em suas particularidades de formações econômicas dependentes e subdesenvolvidas, os países latino-americanos se conformaram historicamente na divisão internacional do trabalho pelo caráter subordinado de suas economias ao imperialismo, que aniquilaram as possibilidades de surgimento de burguesias nacionais revolucionárias que pudessem desempenhar o protagonismo no encapamento de tarefas democráticas como o acesso à terra, e o fomento de um sistema universal de educação de qualidade interligado a um processo industrializante e de desenvolvimento científico e técnico.

Como coadjuvante no papel de exportadores de produtos primários ou de industrias maquiladoras e de conteúdo obsoleto, as burguesias latino-americanas associadas e reféns do crédito e dos mercados imperialistas passaram a compensar a tendência negativa da taxa de lucro decorrente do intercâmbio desigual através da modalidade da superexploração da força de trabalho (salário abaixo do necessário para a reprodução da força de trabalho, negação do consumo popular e combinação entre prolongamento da jornada de trabalho com intensificação do uso da força de trabalho), e assim jogou por fora qualquer fomento concreto de um nacionalismo burguês, sobretudo após a II Guerra Mundial. Dessa forma, o nacionalismo que na Europa transmutou-se de ideologia revolucionária antifeudal para léxico imperialista, colonialista e chauvinista, na América Latina concretamente somente poderia ganhar um conteúdo popular, anti-imperialista e democrático devido ao caráter inacabado das revoluções burguesas e da singularidade da forma dependente de capitalismo.

A conjunção entre Nacionalismo e Socialismo passaram, portanto, desde suas primeiras interações ainda na época de José Martí, Manoel Bomfim e José Ingenieros em não consistir em doutrinas que se anulam, mas que se completam, pois, as pautas democráticas como a reforma agrária, o acesso ao consumo popular e a soberania industrial, científica e técnica somente podem ser logradas plenamente através de um processo revolucionário.

Os episódios da história latino-americana demonstraram que não basta implementar um programa econômico, pois Vargas, Perón, Cárdenas e outros a desempenharam e depois de substituídos do poder grande parte do que construíram foi danificado ou destruído. A Revolução Cubana demonstrou, assim como outras revoluções socialistas, que o fundamental para avançar nas conquistas econômicas e sociais consiste no estabelecimento de um poder de novo tipo, quer dizer, uma ditadura democrática do proletariado – um poder popular proveniente das classes trabalhadores - e assim criar ademais uma nova cultura, superar as mazelas não somente econômicas, mas também éticas e morais.

Essas questões. mais uma vez, se comprovaram na interessante conjuntura das eleições de governos populares de diversos matizes a partir da vitória do heroico Comandante Hugo Chávez em 1998 na Venezuela, até o processo que resultou nos golpes de novo tipo em Honduras em 2009, Paraguai em 2012, para chegar como alvo principal o Brasil em 2016 que desestabilizou a Bolívia em 2019, entre outros episódios abertos pela eclosão da crise do capital em 2008 e a reativação da IV Frota, onde a necessidade por minerais críticos e estratégicos, petróleo e transferência de valor se tornou ainda mais crucial para a sobrevivência da hegemonia dos países imperialistas, em especial os EUA devido à crise orgânica do capital e o soerguimento da República Popular da China e da Rússia como renascimentos civilizacionais que apontam para a construção de um mundo multipolar e policêntrico e a superação da mundialização atlântica eurocêntrica iniciada entre os séculos XIV e XVI.

Nesse quadro, vimos que os governos latino-americanos que tiveram capacidade de se manter foram aqueles que apreenderam com a Revolução Cubana a necessidade de construção de mecanismos de poder popular, ainda que não tenham superado o poder dual. Ao exemplo da Venezuela que com todas as dificuldades se mantém devido ao trabalho de comunicação com o povo, as milícias populares, a transformação das forças armadas em instituições anti-imperialistas e socialistas e ao desenvolvimento das comunas econômicas, entre outras iniciativas. Na Nicarágua, que apesar dos sandinistas terem perdido o governo nos anos 1990, os revolucionários conseguiram manter o controle sobre as forças armadas como força rebelde, e após retornarem à chefia do Estado em 2006 foram brilhantes em transformar a polícia em corpo popular e majoritariamente formado por mulheres, assim como restringir a presença e atuação de ONG’s e fundações estrangeiras. De mesmo modo, a Bolívia que apesar de ter claudicado em não mexer nas estruturas dos aparatos de repressão do Estado, formou um pujante movimento popular e cultural muito bem organizado e permanentemente mobilizado, capaz de reverter rapidamente um golpe de Estado e retomar o caminho pela superação do subdesenvolvimento.

Por fim, nós comunistas e nacionalistas revolucionários no Brasil, precisamos tomar por meio da redução sociológica a nossa realidade nacional e os ingredientes históricos fundamentais que permitiram a criação do primeiro território livre de Nuestra América: a conjugação entre nacionalismo popular e latino-americanismo dentro da estratégia socialista onde poderemos encontrar em nossa história e dos nossos vizinhos (também de África e Ásia) os elementos constitutivos do caminho brasileiro ao socialismo.

Os Cubanos, após tomarem o poder, coligaram os diversos partidos revolucionários nas Organizaciones Revolucionárias Integradas, embrião do atual Partido Comunista de Cuba. Aqui desde já devemos pensar em superar uma situação onde revolucionários desarticulados e ainda carregando o fardo da derrota da Guerra Fria se mantém na retaguarda, na resistência e quando não na posição de simples comentadores da grande política do nosso país e do mundo, com nula capacidade de incisão sobre os eventos.

Devemos vislumbrar, ainda que longe do caminho da unificação, a criação de um fórum que congregue os comunistas e nacionalistas revolucionários, onde se possa articular estratégias conjuntas de alteração das correlações de forças, que nos coloque em movimento na marcha do caminho brasileiro ao socialismo. Me refiro explicitamente a criação de uma Frente Revolucionária Brasileira, ao exemplo também dos sandinistas, dos bolivarianos e dos nossos irmãos moçambicanos, angolanos, guinenses.

Em Cuba foi Céspedes, Maceo, Martí e Mella que chegaram a Fidel, Vilma, Che, Célia, Camilo, Raúl. Aqui não há dúvidas que Abreu e Lima nos liga a Bolívar e a América Latina, que Prestes e suas batalhas desde a Coluna abriu a etapa mais elevada da Revolução Brasileira, e com Leonel de Moura Brizola e Darcy Ribeiro o nacionalismo revolucionário encontrou aqui suas expressões mais altas e plebeias. Os nossos Ches, Fidels, Vilmas e Célias estão por aí nas favelas, nos trens lotados, nos subempregos, nos bairros dormitórios.

Em Memória dos 10 anos de passo a imortalidade do Comandante da Revolução Bolivariana Hugo Chávez Frias e 5 anos do passo a imortalidade do maestro de Nuestra América Theotônio dos Santos.

Viva Fidel e a Revolução! Cuba Sim! Ianques Não! Pelo Fim do Bloqueio Imperialista e Genocida!

Ou ficar a Pátria Livre ou morrer pelo Brasil!

Ousa Lutar, Ousar Vencer! Venceremos!


Grupo Moniz Bandeira / Comitê Taiguara de Lutas Populares

Rio de Janeiro, 11 de março de 2023.



[1] ZAVALETA MERCADO, René, “Considerações gerais sobre a História da Bolívia (1931-1971)”, In: GONZÁLES CASANOVA, Pablo, “América Latina: História de meio século, volume II”, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1988, p.32.




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