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Carta de Che Guevara a Armando Hart (sobre a formação)

  • grupomonizbandeira
  • 30 de mar. de 2023
  • 4 min de leitura

Tradução: Gustavo Santos


Esta carta foi publicada em Cuba em setembro de 1997, na revista Contracorriente ano 3, nº9. Nos momentos que escreveu, o autor se encontrava na África e o destinatário acabava de ser designado Secretário de Organização do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. Esta carta está incluída no tomo 10 da coleção “Cuba, una Cultura de la liberación. Selección de escritos 1952-2016” do Dr. Armando Hart Dávalos.



Ernesto Guevara


Dar-Es-Salaam [Tanzânia]


(4/XII/1965)


Meu querido secretário,

Te parabenizo pela oportunidade que te deram de ser Deus, agora tem 6 dias para si. Antes que acabe e sente para descansar como fez teu predecessor, quero expor algumas ideias sobre a cultura de nossa vanguarda e de nosso povo em geral.

Nesse longo período de férias meti o nariz na filosofia, coisa que faz tempo pensava em fazer. Me encontrei com a primeira dificuldade: em Cuba nada foi publicado, se excluirmos os calhamaços soviéticos que possuem o inconveniente de não permitir pensar; o partido já fez por ti e você deve apenas dirigir. Como método, é o mais antimarxista, porém, não somente, são péssimos, a segunda, e não menos importante foi meu desconhecimento da linguagem filosófica (lutei duramente com o mestre Hegel e no primeiro round me derrubou duas vezes). Por ele fiz um plano de estudos para mim que, acredito, que pode ser estudado e melhorado muito para conformá-lo como fundamento para uma verdadeira escola de pensamento; fazemos muito, porém algum dia teremos também que pensar. Naturalmente, meu plano é de leituras, porém pode adaptar-se como série de publicações da editora política.


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Se realizar uma ronda as suas publicações poderá ver a profusão de autores soviéticos e franceses.

Isso se deve a comodidade na obtenção de traduções e seguidismo ideológico. Assim não se fornece cultura marxista ao povo, no mais, divulgação marxista, o que é necessário, se a divulgação é boa (esse não é o caso), ainda é insuficiente.

Meu plano é esse:

I- Clássicos Filosóficos

II- Grandes dialéticos e materialistas

III - Filósofos Modernos

IV - Clássicos da Economia e precursores

V- Marx e o pensamento marxista

VI - Construção socialista

VII - Heterodoxos e capitalistas

VIII – Polêmicas

Cada série tem independência com respeito a outra e poderia ser publicada assim:

I – Deve ser publicado os clássicos conhecidos e traduzidos ao espanhol, agregando-os um estudo preliminar sério de um filósofo, marxista se possível, e um amplo vocabulário explicativo. Simultaneamente, se publica um dicionário de termos filosóficos e alguma história da filosofia. Talvez possa ser a de Dennyk e a de Hegel. A publicação podia seguir certa ordem cronológica seletiva, vale dizer, começar por um livro ou dois dos grandes pensadores e desenvolver a série até chegar na época moderna, retornando ao passado com outros filósofos menos importantes e aumentando os volumes dos mais representativos, etc.

II- Aqui pode seguir o mesmo método genérico, fazendo recopilações de alguns antigos (faz tempo li um estudo em que estavam Demócrito, Heráclito e Leucipo, feito na Argentina).

III – Aqui se publicariam os mais representativos filósofos modernos, acompanhados dos estudos sérios e minuciosos de especialistas (não precisam ser cubanos) com a correspondente crítica quando representem os pontos de vista idealistas.

V – Já está sendo realizado, porém sem ordem alguma e faltam obras fundamentais de Marx. Seria necessário publicar as obras completas de Marx e Engels, Lenin, Stalin [sublinhado no original por Che] e outros grandes marxistas. Ninguém leu nada de Rosa Luxemburgo, por exemplo, que possuí erros em sua crítica a Marx (tomo III), porém morreu assassinada, e o instinto do imperialismo é superior aos nossos nesses aspectos. Faltam também pensadores marxistas que logo saíram da prateleira, como Kautzsky e Hilfering [Karl Kautsky e Rudolf Hilferding] que fizeram aportes e muitos marxistas contemporâneos, não totalmente escolásticos.

VI – Construção socialista. Livros que tratem dos problemas concretos, não somente de governantes, senão do passado, fazendo averiguações sérias sobre os aportes de filósofos e, principalmente, economistas e estadistas.

VII – Aqui viriam os grandes revisionistas (se querem podem colocar Kruschov), bem analisados, mais profundamente que nenhum, e deve estar seu amigo Trotsky, que existiu e escreveu, segundo parece.

Além de, grandes teóricos do capitalismo como Marshall, Keynes, Schumpeter, etc. Também analisados a fundo com a explicação das razões.

VIII – Como seu nome indica, este é o mais polêmico, porém o pensamento marxista avançou assim. Proudhon escreveu Filosofia da Miséria e se sabe que existe a Miséria da Filosofia. Uma edição crítica pode ajudar a compreender a época e o próprio Marx, que não estava completo ainda. Se localizam Rodbertus e Dühring nessa época e logo os revisionistas e os grandes polêmicos dos anos 1920 na URSS, quem sabe o mais importante para nós.

Agora vejo que me falta um, pela mudança da ordem (estou escrevendo no ritmo que as ideias fluem).

Seria o IV, clássicos da economia e precursores, donde estaria desde Adam Smith, os fisiocratas, etc.

É um trabalho gigantesco, porém Cuba o merece e creio que o pudera tentar. Não te canso mais com esse papo furado. Te escrevi devido ao meu conhecimento que os atuais responsáveis da orientação ideológica são pobres e, talvez, não fosse prudente fazer certas considerações (não somente do seguidismo, que também conta).

Por fim, ilustre colega (por causa do filósofo), te desejo sorte. Espero que nos vejamos no sétimo dia. Um abraço aos abracáveis. Incluindo-me de parada, no teu rosto e bélica metade.


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