Análise do Significado Político do Resultado das Eleições Primárias (PASO) na Argentina (2021)
- grupomonizbandeira
- 17 de set. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 20 de set. de 2021
Mario Eduardo Firmenich*

O atual presidente argentino Alberto Fernández com a sombra do claudicante ex-presidente Raúl Alfonsín
As eleições Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO) produzem um resultado que pode ser qualificado como catastrófico para a Frente de Todos, apenas 2 anos depois de haver vencido as eleições presidenciais e de governadores de 2019 com ampla vantagem e obtendo um respaldo eleitoral na ordem dos 50% dos votos. Em 2021, o Juntos por el Cambio o superou a nível nacional por uma margem de 10% de votos válidos e na Província de Buenos Aires teve a vantagem de 5% dos votos válidos. Além disso, aparece como “revelação” o partido de extrema direita liberal com Milei na Capital Federal com 13% dos votos. Por outro lado, o abstencionismo foi o mais alto da história. Estaria a sociedade argentina guinando à direita e se despolitizado em 2 anos? Desapareceu o Peronismo como espaço sociológico? Uma análise certeira do ocorrido requer ir aos dados numéricos da eleição comparando-as com os dados numéricos de 2019. Essa eleição de 2021 é uma PASO e já foi visto que as PASO, quando os partidos apresentam lista única em suas eleições internas, tendem a obter um abstencionismo maior porque para o votante não se decide nada. De fato, de costume, as PASO se convertem em uma “pesquisa gigante”, onde, a rigor, trata-se de um censo sobre as intenções políticas. Uma comparação válida deve realizar-se entre as duas eleições PASO. Entretanto, as eleições de 2021 têm um significado político de plebiscito sobre a gestão do governo presidido por Alberto Fernández. Portanto, politicamente é válido comparar essas PASO com as de 2019 quando se decidiu as candidaturas da fórmula presidencial.
Se verifica nessas PASO um abstencionismo com significado político?
O padrão eleitoral de 2019 era de 33.848.339 inscritos e os votantes totais foram de 25.859.967. Ou seja, houve uma participação de 76,04% e uma abstenção de 23,96%. Esse nível de abstenção (maior que ao da eleição geral) tem o significado político de que com lista única não existe incentivo para votar. Não é uma abstenção que tenha sentido de desinteresse ou de protesto.
O padrão eleitoral de 2021 é de 34.385.460 inscritos e os votantes totais foram 23.320.194. Quer dizer, que houve uma participação de 67,55% e uma abstenção de 32,45%**.
Com um padrão com 537.121 potenciais votantes a mais do que em 2019, nessa eleição os votantes se reduziram em mais 2.600.000 pessoas. Esse abstencionismo tem um significado político, coisa que se havia notado nas eleições provinciais prévias. Por isso também agora são significativos o voto em branco e o voto anulado, que somados foram 1.481.403.
Nas PASO se negaram a eleger representantes, de uma forma ou outra, um total de 12.636.669 cidadãos; uma abstenção de 36,75% do padrão em um país com o voto obrigatório.
Quem são os que se negaram a eleger deputados? Qual é o significado político dessa atitude? Que relação possuí o plebiscito sobre a gestão de governo da Frente de Todos na metade de seu mandato?
Se verifica uma guinada à direita da sociedade argentina?
Em 2019 o voto de centro-direita, direita e extrema direita se expressou do seguinte modo:
PARTIDO VOTOS
Juntos por el Cambio 8.121.596
Consenso Federal 2.081.293
Frente Nos (Gomez Centurión, Cynthia Hotton) 670.156
Unite (Espert) 550.580
TOTAL 11.423.625
PORCENTAGEM PADRÃO 33,75%
Em 2021 o voto de centro-direita, direita e extrema-direita se expressou do seguinte modo:
PARTIDO VOTOS
Juntos por el Cambio 9.146.729
Peronismo Federal 1.182.408
Partidos da direita liberal
(Milei, Espert, Neves, Gomez Centurión, Cynthia Hotton) 1.603.008
TOTAL 11.932.145
PORCENTAGEM PADRÃO 34,70%
Em termos absolutos, o espaço da direita aumentou uns 500.000 votos entre 2019 e 2021, aumento que não chega ao 1% do padrão eleitoral. A evidência indica que não existe um deslocamento do voto para a direita.
Em termos de porcentagem dos votos válidos das PASO 2021 a imagem distorcida de que Juntos por el Cambio cresceu exorbitantemente, obtendo mais de 40% dos votos, e por isso tirou uma vantagem de 10% à Frente de Todos. Porém a realidade é que não houve nenhum crescimento significativo. O milhão de votos que aumentou Juntos por el Cambio sai quase integralmente do milhão de votos que perde a aliança Consenso Federal por sua dissolução.
Boa parte do crescimento quantitativo de 500.000 votos da direita é captação do voto jovem da Capital Federal que Milei conseguiu com seus 238.522. Como realidade sociológica, esse voto o espaço histórico da direita liberal na cidade de Buenos Aires, que havia perdido sua representação política desde a desaparição de Alsogaray.
Se descontamos esses votos, o desvio de votos para a direita não supera 300.000 votos em todo o país.
Como se perdeu votos de Frente de Todos e quanto se perdeu? Nas PASO de 2021 a Frente de Todos obtém um padrão de 31,3% dos votos a nível nacional. À primeira vista parece que seu respaldo se reduziu ao “voto duro” do Peronismo, mas na realidade seu nível histórico tem ficado por volta de 35%. Porém as porcentagens da eleição de 2021 são enganosas, porque os votos se medem como proporção de um total muito inferior levando em conta as abstenções e os votos em branco e nulos. Nas PASO de 2019, a Frente de Todos obteve 12.205.085 votos, que representam um 47,78% dos votos válidos. É conhecido que quando uma frente é hegemonizada pelo Peronismo obtém algo próximo aos 50% dos votos, isso se deve a que um setor de votantes independentes, majoritariamente de classe média se vira contra a aliança com o movimento popular.
O setor de independente representa aproximadamente 15% dos votos válidos em uma eleição presidencial com participação da ordem de 85%. Nas PASO de 2019, a participação foi somente de 76,4%, de modo que podemos aceitar que o aporte do voto independente foi menor que nas eleições gerais. Se estimamos o voto independente em 10% dos votos válidos naquela eleição, logo os votos peronistas do Frente de Todos nas PASO de 2019 podemos estimá-los em 9.650.651 (37,78% de votos válidos). As PASO de 2021 na Frente de Todos obteve 7.107.973 votos. Isso significa que a Frente de Todos perdeu mais de 5 milhões de votos entre 2019 e 2021. A metade desses votos foram perdidos na Província de Buenos Aires. Era previsível por qualquer análise política objetiva sobre a gestão do governo nacional que o Peronismo havia perdido nos últimos anos o apoio que havia obtido dos setores de classe média politicamente independentes. A deterioração da imagem de Alberto Fernández nas pesquisas refletia esse momento político. Isso explica a perda de 2.554.434 votos. Portanto, há uma perda de 2.542.678 votos que correspondem a cidadãos peronistas que retiraram seu apoio ao governo da Frente de Todos e o fizeram por todo o território nacional, afetando a representatividade de caudilhos provinciais que pareciam insubstituíveis.
Para aonde foram os 5 milhões de votos que perdeu a Frente de Todos? De acordo com ao que foi visto, está claro que os votos perdidos pela Frente de Todos não foram para o espaço dos partidos de direita. Parece claro que os 2.669.773 pessoas a menos que votaram em 2021, em relação à 2019, são votantes da Frente de Todos que se somaram a abstenção como crítica a gestão governamental. As candidaturas peronistas críticas de Randazo e Moreno obtiveram aproximadamente 500.000 votos que formam parte dos votos perdidos da Frente de Todos. Por outro lado, o conjunto dos pequenos partidos de esquerda tiveram a melhor eleição de sua história, aumentando em quase 1.000.000 de votos a nível nacional. Uma parte dos votos em branco e nulos certamente também correspondem à perda de voto da Frente de Todos. É provável que em algumas provinciais tenha havido deslocamento do voto de Frente de Todos para alguns partidos provinciais. A perda dos dois milhões e meio de votos peronistas se explica pela soma dos 500.000 votos de candidaturas dissidentes e 2 milhões de votos dos 2.600.000 votos menos que houve nesta eleição em relação a de 2019, que se somaram ao abstencionismo. O incremento de um milhão de votos dos partidos de esquerda se explica com os votantes independentes que perdeu a Frente de Todos, assim como também o resto do abstencionismo, parte dos votos em branco e nulos e alguma fuga de votos para alguns partidos provinciais.

Mapa eleitoral da PASO 2021 com 98% das urnas apuradas (As.com)
Tradução: Gustavo Santos.
Revisão: Fabrício Gonçalves.
*Mário Eduardo Firmenich é Doutor em Economia pela Universidade de Barcelona e dirigente histórico da vertente revolucionária do Peronismo.
** Em todos os dados das eleições de 2021 se projetou ao 100% partindo dos dados da apuração provisória que expressam dados nacionais com 98% apurado e alguns dados distritais com menor porcentagens apuradas.
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