A FALSA OPÇÃO SOBRE O ACORDO COM O FMI E O VERDADEIRO DILEMA NACIONAL
- grupomonizbandeira
- 5 de fev. de 2022
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Atualizado: 15 de fev. de 2022
Mario Eduardo Firmenich*

Cartaz da OSPAAAL
1) A discussão superficial e enganosa sobre o drama do acordo do FMI
O governo nacional anunciou um acordo com o FMI que ninguém leu porque ainda não foi escrito. Alguns se apressam em dizer que foi “o melhor acordo já assinado com o FMI”, que “não será exigido nenhum ajuste”, que “graças ao acordo, a Argentina foi salva da catástrofe”. Estas são frases ingênuas, porque não existe um acordo brando com o FMI sem ajustes.
O falso dilema colocado por este debate superficial é: “Cometemos suicídio com a bala da inadimplência ou preferimos a doença terminal do acordo com o FMI?”
Para justificar as privatizações do menemismo: “Nada mais pode ser feito”, “a correlação de forças não nos favorece”, “com os atuais níveis de consciência do povo, não se pode fazer nada”. Vale lembrar a reflexão do General San Martín: “quando se está de joelhos o inimigo sempre é visto maior”.
Outro argumento foi criado: “há que aguardar até que Lula ganhe as próximas eleições no Brasil”. O sonho desta salvação mágica é baseado na crença de que a América Latina está voltando à era dos governos progressistas do início do século XXI. Mas a realidade global de hoje não é a mesma que da primeira década do século.
Estamos na crise da globalização neoliberal em meio à terceira guerra mundial (alguns se consolam que é “diferente”, mas ainda assim é uma guerra mundial). Hoje, a China e os Estados Unidos não são mais os parceiros comerciais que geraram a grande demanda por matérias-primas no início do século XXI. A isso se soma o impacto da pandemia (qualquer que seja sua origem) no comércio mundial, incluindo a ruptura das redes logísticas necessárias para o comércio.
A Rússia atual é antítese da Rússia de Yeltsin que desejava ser amiga da OTAN.
Na América Latina, a realidade atual da Venezuela não é a Venezuela rica em petróleo de Chávez financiando os governos aliados do continente. O governo López Obrador no México parece mais próximo de querer terminar seu mandato da melhor maneira possível do que realizar a ambiciosa “Quarta Grande Transformação”. Os problemas que afligem o governo Arce na Bolívia não se assemelham à bonança econômica de 15 anos atrás. O assédio do governo esquerdista de Castillo no Peru não permite sequer que ele tenha um gabinete ministerial. A força política de Correa no Equador nem sequer venceu as eleições, nem a Frente Amplio no Uruguai. E a realidade de hoje na Argentina não reflete a esperança de “voltaremos para ser melhores”. Não seria mais realista pensar que um eventual novo governo Lula poderia se assemelhar a estas novas realidades de governos progressistas e que não terá poder para resolver a dívida da Argentina para com o FMI?
Os “progressismos” social-democratas na América Latina são inviáveis no contexto atual.
Justificar o acordo do FMI com a estratégia de esperar a chegada dos novos anos dourados do progressivismo latino-americano é ou ingenuidade, ignorância ou um ato de má-fé.
2) O verdadeiro problema político nacional
O verdadeiro dilema argentino não é “cometer suicídio agora ou agonizar por um tempo”. É inaceitável que os líderes políticos populares proponham uma escolha tão falsa.
O verdadeiro dilema, no qual não podemos escolher, é desenvolver de forma sustentável um Projeto Nacional baseado em um novo Contrato Social ou morrer como Nação soberana.
As desculpas para oferecer morte lenta como “menos ruim”, referindo-se a “correlação de forças” ou “a falta de consciência do povo”, são expressões de uma política que está em vigor há quase 40 anos de democracia fracassada. A correlação de forças e a consciência militante do movimento popular não são frutos da natureza, mas o produto da conduta política dos líderes.
A militância política deve admitir de forma autocrítica que o resultado de quatro décadas de democracia fracassada foi a destruição das forças do povo e a geração de apatia política e descrença popular em relação à “classe política”, que é vista como indivíduos corruptos que entram em cargos públicos para se enriquecerem ilegalmente, acompanhados por outros indivíduos incapazes que ocupam cargos para cobrar salários por aquilo que não sabem fazer.
É uma falsa escolha dizer que “se rejeitarmos o acordo do FMI cairemos numa catástrofe” e que “se aceitarmos o acordo menos ruim, sofreremos, mas seremos salvos”.
A grave realidade é que será tão catastrófico o mero default sem projeto alternativo como o contrato de vassalagem assassinado o projeto de uma nação soberana.
O acordo negociado pelo governo significa submeter-se à vontade do capital financeiro internacional, administrado pelo FMI instalado em nossos ministérios por 10 ANOS!
É um plano com a exigência de cumprir metas fiscais-monetárias-reserva-anti-inflacionárias-etc., com uma abordagem neoliberal que tornará impossível qualquer estratégia de desenvolvimento. Um plano que imporá uma revisão a cada três meses sob a espada de Damocles capaz de nos mergulhar na inadimplência se não cumprirmos as metas de ajuste trimestral.
É um plano de austeridade para transferir capital ao exterior, por 10 anos, sem uma estratégia econômica nacional (mas com um insultuoso “gasto social” para financiar cozinhas populares), o que significa perder definitivamente o trem de desenvolvimento da era digital-quântica-espacial.
O que acontecerá é que enquanto algumas potências darão um enorme salto tecnológico (se não se destruírem com a terceira guerra mundial), o establishment da globalização continuará a impor seus planos genocidas para reduzir a população mundial em 3,5 bilhões de pessoas, eliminando os povos subdesenvolvidos do sul ... e é exatamente aí que 80% dos argentinos serão afundados.
Nossa escolha não é escolher entre morte súbita e morte em parcelas. Nossa opção é não morrer como nação ou morrer como um povo de fome e doenças crônicas de subdesenvolvimento.
Nosso problema político é que quase 40 anos de democracia liberal foram inúteis no desmantelamento da perversa arapuca econômica de Videla e Martínez de Hoz.
Por que a Lei de Entidades Financeiras de Martínez de Hoz ainda está em vigor? Por que o desmantelamento das Industrias Mecânicas do Estado a favor da Ford não foi revertido? Por que não temos nosso Banco Nacional de Desenvolvimento? Por que o Banco Nacional de Hipotecas parou de financiar pequenas casas para trabalhadores para financiar apartamentos de luxo e clubes de campo? Por que a soberania da administração sobre os portos e águas do Paraná e Rio da Prata não foi recuperada? Por que não temos novamente uma frota mercante nacional?
Porque a classe política não se atreveu a desmantelar o modelo econômico da ditadura.
Qual era a correlação de forças em 7 de julho de 1816 antes de declararmos a independência e atravessarmos a Cordilheira dos Andes com um exército armado à vontade? No entanto, nos tornamos independentes junto com todo o continente e colocamos um fim “ao império onde o sol nunca se põe”.
Qual era a correlação de forças em 15 de outubro de 1945, com os Estados Unidos como uma potência emergente e o coronel Perón na prisão? No entanto, nasceu o movimento popular e o governo que industrializou o país e introduziu a justiça social com uma revolução política soberana.
Qual era a correlação de forças em 27 de maio de 1969 com a ditadura de Onganía entronizada para mais 30 anos e com o apoio do Vandorismo como bombeiro para apagar os incêndios sociais? Entretanto, foi desencadeada uma onda revolucionária que pôs um fim para sempre à pseudo-democracia proscritiva e ao Partido Militar como a representação política da oligarquia.
As transformações estruturais que se tornam indispensáveis como condição para a sobrevivência nacional e social nunca são o resultado de possibilismos, mas de decisões heroicas.
A democracia fracassada defende os “direitos humanos” contra a ditadura, mas é cúmplice na sobrevivência do projeto econômico e social de Martínez de Hoz. Não é coincidência que as vítimas da ditadura sejam justificadas pela validade da “teoria dos dois demônios”.
A arapuca econômica de Videla e Martínez de Hoz ainda está em vigor com leis e políticas públicas da ditadura. É a arapuca da entrega da soberania financeira a bancos privados estrangeiros e da crônica e crescente exclusão social de milhões de argentinos. É a arapuca da precarização permanente do trabalho de metade do país; a armadilha do “dinheiro doce” com o dólar barato como suborno social para a desindustrialização combinado com a subseqüente mega-avaliação para transferir a riqueza do povo para os especuladores. É a arapuca do “acesso ao mercado internacional de capitais” para adquirir uma dívida externa sistêmica na qual os dólares são tomados pelos mesmos velhos e a dívida é nacionalizada. É a arapuca da entrega de recursos naturais a multinacionais que roubam o patrimônio nacional e destroem ecossistemas.
Em resumo, é a armadilha de nos transformarmos em um estado fracassado com o grito “encolher o Estado é ampliar a nação”. Se nós argentinos não ousarmos resolver este problema, estamos perdidos.
3) Novo Contrato Social ou guerra social direta
Nenhuma sociedade em nenhuma época pode desenvolver um sistema político-econômico estável com a vontade política de 55% de sua população contra a vontade política dos 45% restantes. Ainda menos se a “maioria política” for apenas de mais um deputado e mais um senador.
Qualquer nação que queira construir um sistema político-econômico com um Estado sólido e eficiente deve estar baseada em um Contrato Social tácito ou explícito. Embora possa parecer plausível, devemos estar conscientes de que uma sociedade não pode existir se seus membros não forem parceiros.
A Argentina carece de um contrato social. Seria ocioso discutir desde quando. Mas o que é certo é que não temos um projeto nacional compartilhado há muitas décadas.
A Constituição Nacional é a expressão jurídico-política do Contrato Social. Mas a coexistência requer um Contrato socioeconômico. Passamos décadas sem uma Constituição e a que temos foi o “Pacto Olivos”, cujas limitações são evidentes no desastre de 2001 e no drama desta dívida com o FMI, nascido de um acordo inconstitucional assinado pela Macri.
Não me escapa que um pacto para um Novo Contrato Social é muito provável que seja impossível. Mas devemos ter em mente que a alternativa para não acordar um novo Contrato Social de longo prazo é a guerra social direta decorrente da decadência econômico insolúvel.
Hoje a violência social da sobrevivência é um crime individual ou de gangue marginal. Mas a degradação sistêmica se agravará com 10 anos de ditadura do FMI; a violência se transformará em guerra social direta entre os empobrecidos e excluídos organizados em gangues ou grandes gangues sociais, por um lado, e os enriquecidos e incluídos com empresas de segurança privada, por outro.
Será uma guerra civil em que a batalha é para matar o inimigo por um par de tênis, um relógio, um telefone celular, uma bolsa de supermercado ou um estuprocoletivo. Uma guerra na qual as forças policiais se tornam um beligerante paramilitar autônomo com seus próprios objetivos de saque. Uma guerra civil sem exércitos e sem estratégias, rumo à destruição nacional e social.
Parece mais do que sensato para os atores sociais e políticos considerar um Novo Contrato Social antes de aceitar a falsa opção de um “default sem propostas ou ditadura do FMI”.
O que deve ser negociado em um Novo Contrato Social?
Adianto que a discussão correta não seja sobre “capitalismo” ou “socialismo”. Essa classificação se baseia em um único parâmetro: a propriedade privada dos meios de produção. Desde a Idade do Bronze, não existem “sistemas econômicos puros”. Todos os sistemas da história são sistemas político-econômicos, com um subsistema econômico (composto pelo aparelho produtivo e a estrutura social) e um subsistema político (composto pelo aparelho governamental e a estrutura social). Em todos os sistemas, o Estado é a principal estrutura social do subsistema político e o mercado é a principal estrutura social do subsistema econômico. Definir capitalismo por “economia de mercado” ou por “existência de propriedade privada de meios de produção” é um simplismo histórico. A escravidão nos tempos antigos, o feudalismo, o colonialismo, o justicialismo, o socialismo do século XXI, o Estado social, e até mesmo o socialismo soviético são também economias de mercado com propriedade privada dos meios de produção.
Todos esses sistemas também tinham Estados que regulavam a economia. Em uma economia que produz excedentes acumuláveis, se o Estado desaparece, a única coisa que o mercado gera é a hiperinflação, que é a guerra de todos contra todos, devido à ausência de poder político sistêmico.
A dualização simplista de “2 sistemas econômicos canônicos” nos obriga a aceitar muitos tipos de capitalismo (porque Argentina, Haiti, Alemanha e Japão não têm o mesmo sistema) e muitos tipos de socialismo (porque a URSS, os socialismos árabes, a Iugoslávia de Tito ou a Venezuela de Chávez não têm o mesmo sistema).
Não se trata de rotular um sistema, mas de acordar quais atividades econômicas serão assumidas pelo Estado e quais atividades econômicas serão deixadas ao mercado com leis que o regulamentem. Isto deve ser explicitado no Contrato Social, concordando com o tempo de transição. Poderiam ser acordados objetivos econômicos para dez anos:
a) A distribuição social da renda nacional, especificando qual porcentagem da renda nacional é recebida por cada um dos “décimos” da população (segmentos de 10% da população total).
b) O modelo nacional de infraestrutura incluindo: plano de reorganização urbanístico-demográfica, nova matriz energética sustentável, nova rede ferroviária elétrica nacional, reorganização e desenvolvimento da rede de autopistas e estradas, novo perfil industrial do país com sua distribuição geográfica nacional, plano para o desenvolvimento de uma rede de satélites. Tudo isso, realizado com critérios de sustentabilidade ecológica, mudaria revolucionariamente a equidade federal, o valor agregado nacional, a justiça social e a qualidade de vida.
c) Plano de investimento público, privado e cooperativo de acordo com o modelo de infraestrutura.
d) Política estatal de gestão macroeconômica incluindo: 1) gastos públicos e política fiscal como porcentagem do PIB, com prioridades setoriais definidas e especificação de políticas a serem aplicadas, com uma meta de 3% de déficit fiscal primário anual; 2) política cambial (proponho concordar com uma taxa de câmbio efetiva real constante); 3) política de controle da inflação; com uma política para cada uma das causas, concordando com uma meta de 3% ao ano. É POSSÍVEL!
e) Política de Estado sobre endividamento público interno e externo, definindo um limite máximo para ambas as dívidas somadas para todas as administrações públicas de 60% do PIB.
f) Estratégia nacional de defesa civil e militar diante das ameaças das ambições estrangeiras sobre os recursos naturais, as mudanças climáticas e as técnicas de produção que subordinam a segurança pública ao lucro privado. Isto implica em formar Forças Nacionais de Defesa Civil e Militar para controlar: incêndios florestais, inundações pluviais, transbordamento de rios, catástrofes sísmicas, inundações de tsunamis, catástrofes ecológicas, pragas fitossanitárias e zoossanitárias, pandemias e epidemias virais e bacterianas, ciberterrorismo, bloqueios internacionais às exportações ou importações, ataques militares e/ou paramilitares abertos e encobertos.
4) Os problemas estruturais devem ser resolvidos por um Projeto Nacional integralmente sustentável, baseado em um novo Contrato Social
Entendemos o desenvolvimento integralmente sustentável como um desenvolvimento socialmente justo, economicamente eficiente, politicamente pluralista e ecologicamente sustentável, como um sistema de Nação plenamente soberana que promove a integração latino-americana.
As políticas estatais do Contrato Social emergem de um cenário definido por problemas estruturais que geram restrições que causam subdesenvolvimento, dependência e conflito sociopolítico. É essencial conceber a Unidade Nacional com o objetivo explícito de mudar as estruturas prejudiciais.
Entre os impedimentos estruturais, destacam-se seis restrições estruturais ou malformações que precisam ser superadas.
a) Restrição tecnológica. Dependência tecnológica, atraso nas tecnologias de ponta, plantas industriais sem economias de escala.
b) Restrição de energia. Infraestrutura elétrica insuficiente em potência e predominância de fontes renováveis; alta dependência de combustíveis fósseis.
c) Restrição logística de transporte. Rede ferroviária nacional obsoleta e quase desmantelada, que mantém a rota convergente no porto de Buenos Aires, ausência de uma rede nacional de autopistas e marinha mercante desmantelada.
d) Restrição logística de comunicação. Dependência da rede de comunicações via satélite.
e) Restrição no desenvolvimento social
e.1.) Escassa população para o potencial econômico do território e mais de 10% da população escassa excluída do sistema, mas residente nas principais cidades;
e.2.) Concentração macrocefálica de 35% da população na Área Metropolitana de Buenos Aires com graves deseconomias de escala nos serviços públicos;
e.3.) Aparato educacional obsoleto com declínio social nos campos cultural, técnico e profissional; mais de 35% da força de trabalho com empregos informais e formação profissional obsoleta;
e.4.) Atraso e empobrecimento da infraestrutura da saúde pública e o declínio dos serviços sociais; indefensabilidade sanitária diante de pandemias e epidemias.
f) Restrição externa. Estrangulamento repetido do balanço de pagamentos financiado pela dívida externa não pagável e inadimplência recorrente. A demanda excessiva de dólares como reserva de valor diante de décadas de inflação sistemática.
g) Restrição da defesa nacional. A indefensabilidade estratégica contra qualquer tipo de guerra (convencional, biológica, cibernética, econômica ou nuclear) ou ameaças naturais.
5) A decisão política sobre o acordo com o FMI
A primeira coisa a esclarecer é quem é o sujeito político da decisão.
Quem decide assinar ou não um acordo sobre a dívida externa impagável?
O sujeito político cuja existência futura está em jogo nesta decisão é o povo soberano.
Os limites da autoridade do Poder Executivo em face da soberania popular estão definidos no artigo 29 da atual Constituição Nacional:
“O Congresso não pode conceder ao Executivo Nacional nem aos legisladores provinciais poderes extraordinários, nem a soma do poder público, nem conceder-lhes submissão ou supremacia pela qual a vida, honra ou fortuna dos argentinos estejam à mercê de qualquer governo ou pessoa. Atos desta natureza trazem consigo uma nulidade irrevogável e levarão aqueles que os formularem, consentirem ou assinarem à responsabilidade e à penalidade de traidores infames à pátria.”
É mais do que evidente que uma relativa maioria dos legisladores, quanto mais uma única pessoa exercendo o poder executivo, não tem o poder de penhorar as vidas e fortunas de 45 milhões de argentinos. E se o fizessem, eles mereceriam a pena dos infames traidores à pátria.
O artigo 40 da Constituição atual autoriza a aprovação de leis em consultas populares obrigatórias e também autoriza a convocação de consultas populares não vinculantes.
Será que os mais de 32 milhões de cidadãos com poder de voto soberano não terão nada a dizer sobre o futuro de suas vidas, sua honra e sua fortuna? Esses milhões de argentinos são o sujeito político da Nação, de acordo com o princípio constitucional da soberania popular.
Cabe ao povo soberano decidir sobre uma dívida externa que comprometa seriamente o futuro da nação, o bem-estar social e a paz social.
“O povo da nação” não é um tema homogêneo. É um assunto social complexo e plural, com interesses diversos e conflitantes. Mas um povo sem valores e objetivos compartilhados não é uma nação, mas apenas uma “população”. É por isso que devemos acordar o Contrato Social da Nação antes de tomar coletivamente, como povo soberano, esta decisão sobre a dívida com o FMI.
Devemos decidir sobre esta dívida externa dentro do Estado de direito da Constituição Nacional. A Constituição, Capítulo Quatro “Atribuições do Congresso”, Art. 75 declara:
“Cabe ao Congresso:
( … )
“4. Contrair empréstimos por meio de créditos da Nação
(…)
“7. Providenciar o pagamento da dívida interna e externa da Nação
(... )
“22. Aprovar ou rejeitar tratados celebrados com outras nações e com organizações internacionais...”.
A dívida contraída pela Macri não é legalmente uma dívida da Nação argentina porque não foi aprovada pelo Congresso. Está pendente da decisão do Congresso de aprovar ou rejeitar este tratado concluído com uma organização internacional composta por outros Estados soberanos.
A primeira decisão a ser tomada sobre a dívida do FMI é votar em ambas as câmaras do Congresso sobre a aprovação ou não do tratado assinado por Macri.
Se o Congresso rejeitá-la, nenhuma renegociação deve ser aprovada.
Caso o Congresso o aprove, os legisladores que consentirem com a sujeição das vidas e fortunas dos argentinos à vontade de governos estrangeiros ou pessoas cometerão o crime dos famigerados traidores à pátria. Mas, além disso, tal endividamento seria constitucionalmente um ato de inquestionável nulidade, conforme estabelecido no art. 29 da Constituição.
De qualquer forma, uma coisa é clara: o FMI entregou mais de 44 bilhões de dólares às autoridades argentinas. A recusa de aprovar o empréstimo não nos autoriza a manter o dinheiro que pertence ao FMI. É realmente apropriado pagar ao FMI os 44 bilhões de dólares que ele deu, mas não é apropriado para nós pagarmos um único centavo de juros por um empréstimo que nunca aceitamos. Da mesma forma, não teríamos obrigação de fazer qualquer “acordo de facilidades estendido” com o FMI para refinanciar o que nunca existiu legalmente.
Com total soberania sobre nossa política econômica e social, devolveremos 44 bilhões de dólares que não são nossos na medida de nossas possibilidades e resgatando os dólares desviados pelos especuladores que eram amigos do governo anterior.
Seguindo o ditado de que “um mau negócio é melhor do que uma ação judicial bem merecida”, seria sábio para o governo comprar de volta os dólares vazados com pesos de especuladores que preferem não se meter em problemas legais. Esses dólares seriam então transferidos de volta para o FMI.
Os deputados e senadores devem assumir que a magnitude política da decisão merece um referendo; que o soberano da República aprove em uma consulta popular obrigatória, conforme estabelecido no art. 40 da Constituição Nacional, para rejeitar o tratado assinado pelo governo Macri com o FMI.
Alternativamente, o Presidente ou o Congresso pode convocar, de acordo com o mesmo Art. 40, um referendo não vinculativo sobre se o povo prefere aprovar ou rejeitar o acordo assinado pelo governo anterior com o FMI.
m qualquer caso, se o Congresso não aprovar explicitamente o empréstimo concedido ao governo Macri, o empréstimo não tem presunção de status constitucional como um ato válido. Se o FMI não aceitar nenhum acordo baseado no Estado de direito em vigor no momento em que o crédito foi dado a Macri, a disputa terá que ser resolvida perante um tribunal internacional.
Uma disputa entre um Estado e um órgão multilateral composto por outros Estados tem como foro judicial o Tribunal Internacional de Haia.
Fazer algo diferente do que está estabelecido na Constituição implicaria um crime intencional contra o Estado Nacional e um ataque ao Estado de Direito democrático da República Argentina por abuso de poder, nos termos estabelecidos pelo Art. 36 da Constituição Nacional:
“Esta Constituição permanecerá em vigor mesmo quando sua observância for interrompida por atos de força contra a ordem institucional e o sistema democrático”. Tais atos serão irrevogavelmente nulos e sem efeito. ( ... )
Todos os cidadãos têm o direito de resistência contra aqueles que praticam os atos de força enunciados neste artigo.
O sistema democrático também será minado por qualquer pessoa que cometa uma grave ofensa fraudulenta contra o Estado que implique um enriquecimento...”.
5) Unidade nacional para pactuar um novo Contrato Social e adesão à Constituição Nacional diante do capital financeiro internacional
É dever dos líderes políticos e sociais sentar-se e concordar com base em um Projeto Nacional compartilhado que deterá a decadência de décadas e iniciar a reconstrução nacional.
Um novo Contrato Social poderia ser racionalmente acordado por 100% dos argentinos, embora isso seja improvável. Se o pacto não tiver o acordo explícito de uma maioria social de 90% ou 95%, ele não será viável. Se, por outro lado, se revelar viável, mesmo que não tenha o consentimento de 100% dos argentinos, daremos uma solução heroica a um problema muito sério que será apreciado pelos povos do mundo e ouviremos como eco, ao som do hino nacional, que “os povos do mundo respondem, ao grande povo argentino, Salud!”.
Quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022.
*Mário Eduardo Firmenich é Doutor em Economia pela Universidade de Barcelona, professor de Economia Política dessa mesma instituição e dirigente histórico da vertente revolucionária Peronismo.
Tradução: Gustavo Santos
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