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A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA DO MAR NEGRO E DO MAR DE AZOV (Por Moniz Bandeira)

  • grupomonizbandeira
  • 26 de fev. de 2022
  • 14 min de leitura

Atualizado: 8 de mar. de 2022

A nona parte da série de fragmentos do último livro de Luiz Alberto Moniz Bandeira: "A desordem mundial: : o espectro da total dominação: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias" (2016) referentes a questão da Ucrânia aborda: A reintegração da Crimeia à Rússia; a dimensão geopolítica do Mar Negro e do Mar de Azov; a instabilidade na Ucrânia; a preeminência neonazista em Kiev; as sanções contra a Rússia e a desvalorização do rublo e queda do preço do óleo.


Foto: Memorial aos caídos durante o Cerco de Sevastopol (1941-1941), na Crimeia (Sandy Millin, 2014)


Trecho: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto, “A desordem mundial: O espectro da total dominação. Guerras pro procuração, terror e catástrofes humanitárias”, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp. 305-316.


"O presidente Putin havia equacionado uma solução imediata da crise econômica na Ucrânia, ao conceder-lhe, em 17 de dezembro de 2013, um bailout de US$ 15 bilhões, redução do preço do gás e outros benefícios. Porém percebera que a agitação em Kiev evoluía no sentido de derrubar o presidente Yanukovych, encapando grave ameaça aos interesses da Rússia —como a denúncia do acordo de Kharkov (gás-por-frota), sobre a base naval de Sevastopol, e essa a razão pela qual se aprestou para desfechar decisivo contragolpe. Decerto, já excogitava, havia algum tempo, a possibilidade de ter a Rússia de reintegrar a Crimeia à sua jurisdição. As autoridades do Ocidente e de Kiev foram, inclusive, diversas vezes advertidas, sobremodo pelo ministro Sergei Lavrov, das consequências que poderiam advir, até mesmo sobre perspectiva de que a Ucrânia se fraturasse em dois pedaços. O presidente Putin sabia, através de pesquisa secretamente realizada durante as demonstrações contra o presidente Yanukovych, que 80% da população da península eram a favor da reincorporação à Rússia e, aos seus colegas de gabinete, disse que “a situação estava de tal maneira que nós somos forçados a começar os preparativos para reunificar a Crimeia, porque não podemos deixar esse território e o povo, que ali vive, à mercê do destino; não podemos lançá-los debaixo dos tratores dos nacionalistas”.

Na base naval de Sevastopol, que propiciava à Rússia substancial capacidade operacional e de defesa, estavam ancorados navios de guerra muito bem equipados com os mais avançados supersônicos mísseis cruzeiros, sistema de defesa aérea, a BSF 11ª Brigada de Mísseis de Defesa Costeira, armada com o K-300P sistema de defesa e mísseis antinavios Yakhont. Outrossim, a Rússia estava a construir outra base naval em Novorossiysk, seu território continental, o Krai de Krasnodar, sobre o Mar Negro, ao leste da Crimeia, para a eventualidade de que um dia não alcançasse um acordo com Kiev e tivesse de abandonar Sevastopol. Essa possibilidade havia, caso a Ucrânia aderisse ao Coletivo de Segurança e Política de Defesa da União Europeia. E, em Novorossiysk, laureada como Cidade Heroica, devido à resistência aos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, situava-se o maior porto comercial da Rússia, no Mar Negro. Essa zona se revestia de grande importância geopolítica e estratégica por ser a encruzilhada dos maiores dutos de gás e óleo transportados do Mar Cáspio pela OAO Gazprom. A Rússia desejava reforçar sua presença no Mediterrâneo, com a expansão da base naval de Tartus e o porto de Latakia, na Síria.



Foto: K-300P Bastion-P


"A base naval, em Novorossiysk, serviria para o estacionamento de submarinos, portando mísseis de alcance superior a 1.500 km, e adquirira maior relevância, uma vez que, após a reincorporação da Crimeia à Rússia, navios da OTAN estavam frequentemente a penetrar no Mar Negro, como ressaltou o comandante Aleksandr Vitko. E era a partir do Mar Negro que a frota estacionada em Sevastopol podia, através do Mediterrâneo, chegar ao Atlântico e ao Oceano Índico. A presença da Frota Russa no Mar Negro — entendia o presidente Putin — constituía fator-chave para a segurança regional. A Rússia temia o enclausuramento pelo Ocidente, a ameaça à sua fronteira sudeste. Desde os tempos mais remotos, a região esteve em sua esfera de influência e constituía o eixo de sua segurança nacional. Não podia, portanto, perder a estratégica posição na Crimeia. Era através dos portos dessa península —Sevastopol, Varna, Sohum, Trabzon, Konstanz, Poti e Batumi — que transitavam o óleo e o gás natural, oriundos do Cáucaso, e a Frota do Mar Negro controlava as comunicações com o Mar Mediterrâneo, através dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, de importantes zonas energéticas que abasteciam os mercados do Ocidente. Os corredores de energia expandiram assim a dimensão geopolítica do Mar Negro e de todo o seu entorno.

A Crimeia, que fora parte da Rússia desde 1783, já se tornara uma República Autônoma (Avtonomnaya Respublika), em 1991, dentro da Ucrânia, à qual estava ligada apenas pelo istmo de Perekop. Sua população era composta por 60% de russos, 25% de ucranianos russófonos e 25% de tatars e pequenas minorias. A iniciativa do presidente Putin de reintegrar a Crimeia à Federação Russa constituiu uma reação ao putsch perpetrado em Kiev pelas storm-troopers do Setor de Direita (Pravyi Sektor) e do Svoboda do (Partido Liberdade). Não ocorreu invasão. Lá estacionados já estavam cerca de 15.000 marinheiros e soldados russos, na base naval de Sevastopol, conforme o acordo de Kharkov, que autorizava a presença de até 25.000 soldados na região, aos quais então outros se somaram de modo a assegurar a defesa da península contra eventual ataque de Kiev. Não houve propriamente anexação, mas, de fato e de direito, a reincorporação da República Autônoma à Federação Russa, como República da Crimeia (Respublika Krym), aprovada por 96,77% dos 83,10% dos votantes, uma participação massiva, no referendo convocado pelo Parlamento regional e realizado em 16 de março de 2014.

A Guerra Fria, a aguçar-se, desde a administração do presidente George W. Bush, recrudesceu mais e mais, com as provocações ensandecidas do secretário-geral da OTAN, Anders Fogh Rasmussen, e do general Phillip Breedlove, Supremo Comandante Aliado na Europa (SACEUR), provocações de consequências imprevisíveis. Os Estados Unidos e seus sócios da União Europeia não tinham condições políticas e militares de opor-se à iniciativa da Rússia nem qualquer autoridade moral para condenar a reintegração da Crimeia ao seu território. As potências ocidentais haviam promovido e sustentado a declaração unilateral de independência de Kosovo, de 17 de fevereiro de 2008, na Corte Internacional de Justiça, que em 2010 julgou não haver violação da lei internacional e da Resolução nº 1.244. E as fronteiras da Sérvia, com a separação do Kosovo, foram mudadas, não por meios pacíficos, mas por força das armas. A OTAN realizou brutal intervenção militar (Operation Allied Force), a bombardear o país, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, durante 75 dias, e destruiu toda a sua infraestrutura, como faria ulteriormente no Iraque e na Líbia, uma frontal violação da lei internacional, o princípio da soberania nacional, consagrado nos Acordos de Helsinki (Finlândia), de 1975, que resultaram da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa e 35 nações haviam firmado.

Ao contrário do que ocorrera na Sérvia, violência não houve na Crimeia. A Rússia não bombardeou a Ucrânia para separar a península. O povo, com a queda de Yanukovych, estava a demandar a secessão da Ucrânia. Milhares de pessoas já estavam, nas ruas de Sevastopol, a clamar “Rússia, Rússia, Rússia”, com a bandeira russa, e a gritar “Não nos renderemos a esses fascistas”, os que se apossaram do governo em Kiev. E, como escreveu o grande poeta português Fernando Pessoa, “a base da pátria é o idioma”. A população da Crimeia — cerca de 2,3 milhões de habitantes —, cuja maioria era etnicamente russa (58/60% russa, 24% ucraniana e 12% tatar, segundo o Censo de 2001 ), não se submeteria ao governo do Svoboda e Setor de Direita. Daí que, em Simferopol, capital da Crimeia, com uma população de 337.285 habitantes, majoritariamente russos e pequena minoria tatar, logo foram organizadas milícias de autodefesa para resistir a qualquer força militar de Kiev. O Kremlin não podia abandonar essa população.

A Crimeia, península com parte de deserto e parte de região montanhosa, permanecera efetivamente sob a soberania da Rússia desde o Tratado de Küçük Kaynarca, firmado com o Império Otomano, em 1774, durante do reinado da imperatriz Catarina II, a Grande (1729– 1796). Como lembrou o presidente Vladimir Putin, foram os bolcheviques que, após a revolução de 1917, cederam a Kiev, sem consideração étnica, os territórios russos, que formavam o sul e o sudeste da Ucrânia. Nikita Khruschiov, secretário-geral do Partido Comunista da URSS, outorgou à Ucrânia, em 1954, a Crimeia, juntamente com Sevastopol, onde estacionava a Frota do Mar Negro, um mar 60% mais largo que o Golfo Pérsico, por onde também saíam 60% do total das exportações marítimas da Rússia, e que, além da Ucrânia, se estendia às margens da Bulgária, Romênia, Geórgia e Turquia. Com a reincorporação da Crimeia, de cujos portos saíam seus produtos agrícolas, metais e energia, a Rússia retomou o domínio do Estreito de Kerch, a rota-chave entre o Mar de Azov e o Mar Negro, e o completo controle do canal Kerch-Yenikalskiy, que permitia a passagem de navios maiores entre os dois mares, bem como da entrada do Volga, o maior rio da Europa, permitindo o acesso, sem estorvo, à via do Mar Cáspio. A Ucrânia, sob o governo neonazista, restou bastante vulnerável. Se tentasse uma guerra, poderia ser atacada pela Rússia, em três frentes, do nordeste, sudeste e sul, e em uma semana seria ocupada.

À sombra do Association Agreement com a União Europeia, um dos principais objetivos de Arseniy “Yats” Yatsenyuk, o boneco de engonço de Victoria Nuland, era a adesão da Ucrânia à OTAN. O acordo de Kharkov, negociado com o presidente Yanukovytch, baseavase na doutrina militar da Rússia de 2010, que identificava como um dos principais perigos externos a Aliança Atlântica (OTAN), à qual o Ocidente (Estados Unidos e seus sócios) entregara funções globais de violar as normas e leis internacionais e de mover sua estrutura militar até as proximidades de suas fronteiras, com a expansão do bloco. E estava implícito, na prorrogação do leasing de Sevastopol, que a Ucrânia não poderia aderir à OTAN, até 2042, porquanto a Rússia se opunha a que qualquer país da extinta União Soviética o fizesse, afora os do Báltico.

Com a reintegração da Crimeia à Rússia — o presidente Putin retaliou a impudente ofensiva dos Estados Unidos e seus aliados da União Europeia. E o governo de Kiev perdeu o acesso físico às virtuais fontes de energia, no Mar Negro, e um acervo de aproximadamente 127 bilhões de hryvna (US$ 10,8 bilhões), segundo Denis Khramov, ministro-adjunto de Ecologia e Recursos naturais da Ucrânia, ademais de significativa infraestrutura, como o Aeroporto Internacional de Simferopol, o terceiro maior do país, pelo qual 1,2 milhão de pessoas transitaram, em 2013; as rotas de linhas aéreas; o porto de Yalta e o potencial de turismo e comércio que a península apresentava.

Outrossim, não menos que 93.000 km² da superfície do Mar Negro, Mar de Azov e adjacências, enorme área de aproximadamente 27.000 milhas náuticas quadradas, passaram para o domínio de Rússia, conforme a Convention on the Law of the Sea, de 1982, com o direito de explorar as ricas reservas de petróleo e gás natural, do Mar Negro ao Mar de Azov, cuja produção poderia alcançar o montante de 70 milhões de petróleo cru por ano e tornar a Ucrânia menos dependente das importações de energia. Após o referendo, que ratificou a secessão, em 17 de março de 2014, e a Duma, em Moscou, reconheceu, o Parlamento da Crimeia, que estatizou as empresas da Ucrânia lá existentes —ChornomorNaftogaz e Ukrtransgaz —, os gasodutos e os campos de Skifska e Foroska, a 80 km, no sudoeste da península, a serem explorados em consórcio com as companhias petrolíferas — Royal Dutch Shell Plc (RDSA), Exxon Mobil Corp. (XOM) Shell e Chevron Corp, Eni Span (ENI). Essas companhias, em consequência, cancelaram seus contratos com o governo de Kiev. As reservas de energia do litoral submarino do Mar Negro eram estimadas em 1,5 trilhão de metros cúbicos, incluindo as recém-descobertas de hidrato de metano e as de gás natural, calculadas entre 200 bilhões e 250 bilhões de metros cúbicos. 13 Um dos maiores depósitos de gás, com capacidade de produzir 1,5 bilhão de metros cúbicos por ano, estava nos estreitos de Kerch. E assim a Rússia assumiu formalmente a jurisdição sobre a maior extensão do Mar Negro, ao longo do inteiro litoral leste da Crimeia, envolvendo o estreito de Kerch, onde se localizavam as plantas de mineração e processamento de ferro e, ao sudoeste, as cidades russas e o porto Novorossiysk e Sochi, região de Krasnodar. Todas as reservas de gás e óleo do Mar Negro e Mar de Azov passariam para o controle da Gazprom.

O contragolpe desfechado pelo presidente Putin foi contundente. Doeu fundo em Washington. E o presidente Barack Obama afoitou-se. Logo reconheceu o governo instalado em Kiev pelos neonazistas e recebeu, na Casa Branca, o autoproclamado primeiro-ministro da Ucrânia, o banqueiro Arseniy “Yats” Yatsenyuk, o que ainda mais evidenciou sua incompetência como chefe de governo e de Estado. A diplomacia do Departamento de Estado, a implementar uma partisan foreign policy, mostrou-se inepta, como quase sempre. Nem podia deixar de sê-lo, uma vez conduzida por homens de negócios, amadores, ignorantes, embriagados pela ideologia do “excepcionalismo” da América.

Conforme os dados da American Foreign Service Association, no segundo mandato, pouco mais de 40% dos embaixadores dos Estados Unidos nomeados pelo presidente Barack Obama foram homens de negócios, que contribuíram com recursos financeiros para sua campanha, e não diplomatas de carreira. A qualificação de Colleen Bradley Bell, produtora do programa The Bold and the Beautiful, da CBS, apresentada, ao nomeá-la embaixadora na Hungria, foi a de que ela havia exportado para “more than 100 countries, for daily consumption with more than 40 million viewers”. Na realidade, Colleen Bradley Bell havia doado US$ 500.000 para a campanha de Barack Obama e levantado US$ 2,1 milhões durante 2011 e 2012. 16 Também, para a Noruega, o presidente Obama nomeou George Tsunis, CEO do Chartwell Hotels, em Long Island (Nova York), por ter doado US$ 1,5 milhão para a sua campanha, em 2012, o que gerou duras críticas em Oslo, pois, ao ser inquirido no Senado, demonstrou que nem sequer sabia que o regime do país era o monárquico e não o republicano. 17 Também Noah Bryson Mamet, designado para chefiar a embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, revelou o mais completo desconhecimento da Argentina. Sabatinado no Senado, confessou nunca haver lá estado. Nada sabia sobre o país. Sua qualificação para o cargo era a de haver coletado no mínimo US$ 500.000, com a OpenSecrets.org

A nomeação de homens de negócios, doadores de recursos para os candidatos à presidência dos Estados Unidos, não constituiu prática exclusiva do presidente Obama. Soía acontecer desde o século XIX. É uma forma de permitir que os generosos businessmen, astros de Hollywood e outros bilionários, ocupando a chefia de embaixadas, pudessem fazer altos negócios e recebessem comissões para se ressarcir, com lucro, os recursos que haviam doado para a campanha. A corrupção foi sempre endêmica na república presidencialista, a seiva das eleições. O jornalista americano-israelense Jeffrey Goldberg, no site de Bloomberg, comentou que


[…] there is the corruption of governance and diplomacy, in which ambassadorships are sold to the highest bidder. And then there is a more subtle form of corruption, in which the people’s representatives are made to feel as if they must provide cover for the corrupt practices of the executive branch.


Conquanto houvesse nos Estados Unidos notável elite acadêmica e intelectual, com profundo e claro conhecimento dos demais países, e homens de grande lucidez, jornalistas e outros, a América profunda sempre ignorou o resto do mundo. E essa América profunda foi que sempre elegeu a maioria do Congresso, o presidente da República e, portanto, influiu na política exterior, mais e mais militarizada, com base na crença da invencibilidade do seu poderio militar, conquanto, como reconheceu o próprio ex-presidente Bill Clinton, os Estados Unidos não tenham vencido nenhuma guerra desde 1945.

A mesma insciência levou as autoridades de Washington a imaginarem que o modelo das “color revolutions”, bem-sucedidas, inicialmente, na Geórgia (Revolução Rosa, 2003), Ucrânia (Revolução Laranja, 2004) e Quirguistão (Revolução Tulipa, 2005), poderia ser reproduzido em outros países, como forma especial de guerra subversiva, para a consecução dos seus objetivos econômicos e geoestratégicos. O resultado, contudo, foi negativo. Posteriormente, após a derrubada do presidente Yanukovytch, a situação na Ucrânia tornouse extremamente instável. Os Estados Unidos protestaram contra a reincorporação da Crimeia, a acusarem a Rússia de violar o princípio da integridade territorial. Porém nada puderam fazer, senão deflagrar a guerra econômica, a começar pela decretação de sucessivas sanções contra a Rússia, tais como congelamento de acervos financeiros, proibição de vistos, com o objetivo de causar danos econômicos a empresas e a algumas personalidades do governo e vinculadas ao Kremlin. O valor do rublo despencou-se no mercado internacional. E a vertiginosa queda do preço do petróleo, a despencou de US$ 110 o barril para menos de US$ 50, desde junho de 2014, resultou, segundo algumas hipóteses, de manobra conjunta dos Estados Unidos com a Arábia Saudita, com o objetivo de sangrar ainda mais a economia da Rússia — bem como a do Irã e a da Venezuela —, não apenas por causa da Crimeia, mas também por causa da Síria, cujo governo de Bashar al-Assad o presidente Putin se recusava abandonar. Estimava-se que as sanções, a desvalorização do rublo e a queda do preço do petróleo causariam à Rússia uma perda de cerca de US$ 140 bilhões por ano e uma queda do PIB de quase 5% em 2015.

A União Europeia acompanhou, servilmente, os Estados Unidos. As exportações dos Estados Unidos para a Rússia, entretanto, não passavam de 1% do seu comércio exterior e o presidente Obama podia adotar sanções sem que o país nada sofresse. As da União Europeia, não. Embora os dirigentes da Comissão Europeia, em Bruxelas, calculassem que as sanções causariam à Rússia prejuízos de € 23 bilhões em 2014 (1,5% do PIB) e € 75 bilhões (4,8% do PIB), em 2015, todos os países do bloco teriam de suportar as severas consequências de tal iniciativa. 24 Em 2013, a Rússia tornara-se o principal destino das exportações agrícolas da União Europeia (19%), deixando a Turquia em segundo lugar (15%), 25 e o segundo maior mercado para suas exportações de alimentos, bebidas e matérias-primas, que recresciam a cada ano e atingiram o valor de € 12,2 bilhões (£ 9,7 bilhões) em 2013. E todos os membros da União Europeia tiveram de amargar pesadas perdas, quando o presidente Putin assinou o Editct nº 560, em 6 de agosto de 2014, suspendendo por um ano as importações dos mais diversos produtos dos países da União Europeia, entre os quais frutas, vegetais, carnes e subprodutos, peixe, leite e todos os derivados. O embargo estendeu-se igualmente aos produtos da Austrália, Canadá, Noruega e Japão. Os prejuízos atingiram mais ainda os produtos perecíveis, que ultrapassaram as perdas no comércio exterior e setores industriais. O impacto das sanções contra a Rússia foi muito mais sobre o comércio e economia da União Europeia do que sobre os Estados Unidos.

O presidente Putin, por diversas razões econômicas e políticas, descartou o corte do fornecimento de gás e óleo das sanções adotadas contra a União Europeia. Mesmo assim, os prejuízos, decorrentes do embargo das importações de produtos agrícolas e derivados seriam muito maiores do que Bruxelas imaginou. Segundo estudo realizado pelo Austrian Institute of Economic Research (WIFO), as sanções impostas à Rússia e as retaliações de Moscou custariam à União Europeia € 100 bilhões para desenvolvimento econômico da União Europeia e comprometeriam 2,5 milhões de empregos. Somente a Alemanha perderia cerca de 500.000 de lugares de trabalho.

A Alemanha havia, inicialmente, tentado resistir. Vacilou em adotar sanções, devido à oposição interna, como dos líderes social-democratas Helmut Schmidt e Gerhard Schröder, bem como de parte da opinião pública e de vastos fortes setores econômicos. Mais de 6.200 empresas mantinham estreitos negócios com a Rússia, da ordem de € 76 bilhões, que respondiam por mais de 300.000 empregos, na Alemanha, de acordo com Anton Boerner, dirigente da BGA, firma de exportação. A indústria química BASF teve de cancelar lucrativos negócios com a Gazprom para extração de gás e distribuição de gás natural. A Opel e a Volkswagen igualmente tiveram de cancelar suas operações na Rússia. Segundo Tassilo Zywietz, diretor da Câmara de Comércio e Indústria de Stuttgart, um total de 6.500 companhias (pelo menos uma em cada três companhias) estavam a operar na Rússia, cujo mercado fora sempre muito importante para a Alemanha.



Foto: Nord Stream 2 (Andrey Rudakov/Bloomberg)


O ex-Kanzeler Helmut Schmidt advertiu que as sanções contra a Rússia, por causa da reintegração da Crimeia, constituíam um “dummes Zeug” (instrumento estúpido) dos Estados Unidos e da União Europeia. Acentuou que o clima parecia o de 1914, que precedeu a Primeira Guerra Mundial, e que a Alemanha não devia encorajar outro conflito nem requerer mais recursos financeiros nem armamentos para a OTAN. Porém, coadjuvada, comedidamente, pelos social-democratas, pelo ministro para Assuntos Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeier, e por Sigmar Gabriel, vice-Kanzeler, que compunham o governo da Grande Coalizão, a Kanzelerin Angela Merkel respaldou e aprovou as sanções contra a Rússia. Cedeu às pressões de Washington e da OTAN, em contradição com os interesses econômicos e políticos da Alemanha. Não seria de estranhar. Em 2003, quando o então Kanzeler Gerhardt Schröder (social-democrata) se opôs à invasão do Iraque, juntamente com o presidente da França, Jacques Chirac (União da Democracia Francesa —centro-direita), Angela Merkel, líder da democracia-cristã, publicou artigo em The Washington Post, no qual disse que ele (Schröder) não falava por toda a Alemanha e defendeu a ação armada contra o regime de Saddam Hussein, solidarizando-se com o presidente George W. Bush, que a recebeu festivamente no Salão Oval da Casa Branca."



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