A CRISE DE 2008 E A AMEAÇA DE COLAPSO ECONÔMICO NA UCRÂNIA (Por Moniz Bandeira)
- grupomonizbandeira
- 18 de fev. de 2022
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Atualizado: 24 de fev. de 2022
Quinta parte da série de fragmentos do último livro de Luiz Alberto Moniz Bandeira: "A desordem mundial: : o espectro da total dominação: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias" (2016) referentes a questão da Ucrânia.

Trecho: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto, “A desordem mundial: O espectro da total dominação. Guerras pro procuração, terror e catástrofes humanitárias”, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp.253-255.
"Yulia Tymoshenko voltou a exercer o cargo de primeira-ministra entre 2007 e 2010, quando se candidatou à Presidência da Ucrânia contra Viktor F. Yanukovych, também russófono, nascido em Yenakiieve, distrito de Donetsk Oblast, importante centro de mineração de carvão, metalurgia, indústria química e outras manufaturas, onde o Partido das Regiões, que o apoiava, era amplamente majoritário. Mas Yulia Tymoshenko perdeu a eleição. E, em 2011, ela foi processada por abuso do poder quando foi primeira-ministra do presidente Viktor A. Yushchenko, e condenada a sete anos de prisão, assim como o ex-ministro de Assuntos Interiores, Yuri Lutsenko (2007–2010). Entrementes, a Ucrânia, que recebera da Rússia a média anual de 35% de recursos econômicos, precipitara-se, desde a denominada Revolução Laranja, nas maiores dificuldades, em 2009, quando a crise econômica e financeira, que irrompera nos Estados Unidos, em 2007–2008, espraiou-se à União Europeia e abalou a Grécia, ameaçando a Irlanda, Portugal, Espanha e toda a Eurozona (16 dos 27 Estados-Membros da União Europeia e outros não membros que adotavam o euro).
A dívida pública da Ucrânia havia saltado então de US$ 550,8 milhões, em 1992, para US$ 13,9 bilhões, em 1999, e mais de US$ 30 bilhões, em 2007. A dívida per capita escalara de US$ 10,6, em 1992, para US$ 282,1, em 1999; US$ 498, em 2005; e US$ 827, em 2010. Porém, com a crise financeira de 2007–2008, as fontes de recursos secaram. Em 2010, o FMI concordou em conceder à Ucrânia um empréstimo de US$ 15 bilhões, mas em 2011 suspendeu o crédito porque o presidente Viktor F. Yanukovych não conseguiu cumprir as drásticas condições às quais estava condicionado, tais como cortar o subsídio do gás e reduzir o déficit público a 2,8% do PIB, o que somente seria possível cortando despesas de capital, salários, pensões etc.
A dívida externa da Ucrânia, da ordem de US$ 137,07 milhões, em 2013, assomou o montante de US$ 142,5 milhões em janeiro de 2014. A taxa de câmbio da hryvnia, fixada em 8:1 com o dólar, caiu para 10:1. A depreciação da moeda aumentou o peso da dívida pública, metade da qual era em divisas estrangeiras, e tornou-se mais difícil contrair outras dívidas. O déficit negativo na conta corrente do balanço de pagamentos, no montante de US$ 14,3 milhões, em 2012, havia saltado para US$ 16,402, em 2013, 5 o equivalente a 9% do PIB, contra US$ 14,3 bilhões, ou 8,1% do PIB. As reservas de ouro despencaram de US$ 41,7 bilhões para US$ 20,2 bilhões, em 2013, e ainda decresceram para US$ 13,40 bilhões, em 2014, o suficiente apenas para cobrir as importações de dois meses. “O status da Ucrânia era virtualmente de default e, teoricamente, a possibilidade de que se efetivasse atingira 100%”, afirmou Olexandr Sugonyako, presidente da Associação dos Bancos Ucranianos. E somente não ocorreu, conforme o próprio banqueiro Olexandr Sugonyako previu, por complacência dos credores.
Desde 2009, a Naftogaz, empresa estatal da Ucrânia, devia entre US$ 2,2 bilhões e US$ 2,4 bilhões à Gazprom — que despachava o gás da Rússia para a União Europeia — e estava virtualmente ameaçada de entrar em bancarrota. Não tinha caixa para o pagamento de 500 milhões de eurobonds, em vencimento. Tal perspectiva levou o governo da Ucrânia a ter de dar garantia soberana de US$ 2 bilhões aos credores — Deutsche Bank, Credit Suisse e Depfa —, que lhe moveram processos na Corte de Londres, e convencê-los a aceitarem a reestruturação da dívida, de modo a evitar o default da companhia, cujo déficit orçamentário atingira o montante de 33 bilhões de hryvnia 9 (US$ 3,9 bilhões). 10 De qualquer modo, em fins de janeiro de 2014, as agências de classificação de risco Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch rebaixaram o rating soberano da dívida de longo prazo da própria Ucrânia, com perspectiva negativa e alta ameaça de default, agravada pela turbulência e instabilidade política no país.
Chafurdada em profunda crise econômica e financeira, a perspectiva da Ucrânia configurava-se cada vez mais dramática. Sua economia sofrera contração de 15% em 2009. O PIB, em 1992, era maior que o da Letônia e da Romênia, depois declinou e somente em 2010 registrou diminuto crescimento, mas ainda abaixo do nível que tinha antes de separarse da Rússia, em 1991, e o PIB per capita comparava-se ao do Kosovo ou da Namíbia, atrás de Polônia, Eslováquia e Hungria.
Cerca de uma centena de oligarcas — 0,00003% da população — controlava entre 80– 85% da riqueza do país onde o nível de renda era o mais baixo da Europa. Significativa parcela vivia abaixo da linha de pobreza — cerca de 25%, conforme as estatísticas oficiais —saltou de 10 milhões para 40 milhões de pessoas, i.e., cerca de 99.9999% da população, calculada em 45 milhões de habitantes, por volta de 2013. O desemprego, segundo o governo, era da ordem de 8%, e subiu para 9,3%, no primeiro quadrimestre de 2014. O índice de desnutrição era estimado entre 2% e 3% até 16%. O salário médio situava-se em torno de US$ 332, um dos mais baixos da Europa. E as áreas rurais, no oeste, eram mais pobres. A emergência de empresários rurais, com a rápida dissolução dos kolkhozy, causou o progressivo empobrecimento da maioria da população rural e exacerbou a desigualdade de rendas. E os jovens ucranianos imaginavam que a União Europeia podia melhorar seu standard de vida e aumentar a prosperidade do país. Os ucranianos — em primeiro lugar a juventude — tinham o sonho da União Europeia, a liberdade de viajar, as ilusões de conforto, bons salários, prosperidade etc."
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