A ASCENSÃO DOS NEONAZISTAS DO SETOR DIREITA E O PODER DE VIKTORIA NULAND (Por Moniz Bandeira)
- grupomonizbandeira
- 25 de fev. de 2022
- 16 min de leitura
Atualizado: 8 de mar. de 2022
A oitava parte da série de fragmentos do último livro de Luiz Alberto Moniz Bandeira: "A desordem mundial: : o espectro da total dominação: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias" (2016) referentes a questão da Ucrânia aborda: os interesses estratégicos dos Estados Unidos nesse país, o expansionismo da OTAN, o papel da Ucrânia e da Síria como países chaves para Rússia no Mediterrâneo, a ascensão do Setor Direita e o poder de Viktoria Nuland, subsecretária de Estado dos EUA para Assuntos Europeus e Euroasiáticos.

Foto: A subsecretária de Estado dos EUA para Assuntos Europeus e Euroasiáticos, Viktoria Nuland destribui sanduiches para os Maidan puppets durante as manifestações que resultaram na deposição do presidente ucraniano Yanukovych (AP, 2014)
Trecho: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto, “A desordem mundial: O espectro da total dominação. Guerras pro procuração, terror e catástrofes humanitárias”, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, pp.287-298.
"Os objetivos geoestratégicos dos Estados Unidos/OTAN, consubstanciados, inter alia, na pretensão de assenhorear-se do completo domínio das reservas e dos corredores de gás e óleo, tanto na Eurásia como no Oriente Médio e África do Norte, compunham o trasfondo da contenda na Ucrânia, assim como da guerra na Síria. O governo do presidente George W. Bush, desde pelo menos 2005, estivera a fomentar financeiramente a oposição e, em 2007, aprovou a concessão de fundos e apoio logístico à Frente Síria de Salvação Nacional e à Irmandade Muçulmana, pela Arábia Saudita. Também, mediante um finding, o presidente George W. Bush autorizou a CIA a realizar covert actions para enfraquecer e derrubar o regime de Bashar al-Assad. A razão, inter alia, consistia no fato de que a Síria não aceitou a proposta do Qatar para a construção de um gasoduto através do seu território, em conexão com o projetado Nabucco, que transportaria a produção de gás do Mar Cáspio (Azerbaijão, Turcomenistão e Cazaquistão) até o Oriente Médio e Europa, desviando da Rússia o suprimento de 160 bcm por ano.
Outrossim, na Ucrânia, fortes interesses econômicos, conluiados com os objetivos geoestratégicos dos Estados Unidos, nutriam o movimento contra o presidente Yanukovych, dada a perspectiva de obter maiores lucros na agricultura e na exploração das reservas tecnicamente recuperáveis de gás de xisto (shale gas), do qual a Ucrânia, de acordo com as estimativas da U.S. Energy Information Administration, em 2013, possuía 128 trilhões de pés cúbicos, a quarta maior da Europa, apenas abaixo da Rússia, com 285 tcf; Polônia, 148 tcf; e França, 137 tcf, 4 ademais de 0,2 bilhão de barris de óleo, nos campos de gás de xisto, localizados no óleo betuminoso do Deniep, na bacia do Donets, ao leste do país. As principais áreas, onde as reservas se localizavam, estavam em Oleska, oeste da Ucrânia, entre Lviv e a bacia de Lublin, e eram estimadas em 1,47 trilhão de metros cúbicos; e em Yuzivska, ao leste, em Deniepr, entre Kharkov e as regiões da bacia do Donetsk, nas quais o depósito estimado era da ordem de 2,15 trilhões de metros cúbicos de gás de xisto , ou mais de 4 trilhões de pés cúbicos.
A exploração do gás de xisto, na percepção de setores políticos de Kiev, seria uma alternativa para retirar o país da esfera de dependência econômica da Rússia, Irã e Qatar, países onde se concentrava metade das maiores reservas mundiais de gás natural do mundo. E havia muito tempo as companhias petrolíferas dos Estados Unidos, bem como da União Europeia, mostravam-se interessadas na sua exploração, de modo que pudessem conquistar os mercados da Ucrânia, ocupados pela Rússia, bem como da Polônia, Bulgária, França, República Tcheca, Hungria e outros países da Europa.
Em maio de 2012, a companhia anglo-holandesa Royal Dutch-Shell venceu a concorrência e, em 24 de janeiro de 2013, não obstante os protestos da população de Donbass, firmou acordo com a Nadra Yuzivska, empresa da Ucrânia, para exploração das reservas de Yuzivske, uma área de aproximadamente 8.000 km² , entre as cidades de Kharkov e Donetsk, ao leste da Ucrânia, com mais de 1,5 trilhão de metros cúbicos de gás de xisto. Por meio de outro contrato, firmado em setembro de 2013, a Royal Dutch-Shell recebeu a mais ampla permissão para realizar investimentos e a extração do gás de xisto das reservas de Dnepropetrovsk-Donetsk, na área de Burisma, da Ucrânia.
Outrossim, a Nadra Yuzivska, da Ucrânia, assinou com a Chevron, em 5 de novembro de 2013, um acordo de US$ 10 bilhões, para o desenvolvimento, em 50 anos, da produção de óleo e gás na região de Oleska, a oeste, e estava perto de alcançar outro acordo com a Exxon Mobil (XOM) e Royal Dutch-Shell (RDS.B), que deveriam investir US$ 735 milhões na produção de gás de xisto, no sudoeste da Crimeia, na área de Skifska. Além de tais contratos, o governo da Ucrânia ainda fez um acordo, em 27 de novembro, com um consórcio de investidores, liderado pela companhia italiana ENI, para o desenvolvimento da produção não convencional de hidrocarbonetos, no Mar Negro.
A eleição de Viktor Yanukovych para a Presidência da Ucrânia, em 2010, fora considerada em Washington derrota da Revolução Laranja e os preparativos para desestabilizar seu governo, tudo indica, começaram muito antes de que ele suspendesse a celebração do acordo de livre comércio com a União Europeia. A despeito da celebração dos contratos com a Royal Dutch-Shell, Chevron e a Exxon Mobil, havia temor em Washington de que Yanukovych levasse a Ucrânia a aderir à União Econômica Eurasiana, que o presidente Vladimir Putin estava a moldar com a Bielorrússia e com o Cazaquistão e que as jazidas de gás de xisto, a explorar na Ucrânia, e outras de gás natural e petróleo, na Crimeia e no litoral do Mar Negro, pendessem por fim para o controle da Rússia, cuja companhia, a Gazprom, controlava cerca de 1/5 das reservas de gás existentes no mundo. E não era de surpreender que a Chevron e a Royal Dutch-Shell estivessem, direta ou indiretamente, a financiar as ONGs atuantes na Praça Maidan. Ambas as companhias já haviam sido acusadas pelo Center for Constitutional Rights (CCR), Earth Rights International (ERI) e outras entidades de direitos humanos de recrutar soldados e suprir de recursos as forças armadas da Nigéria, envolvidas em abusos dos direitos humanos e massacres na região de Ogoni, ao sul do país, onde pretendiam construir um oleoduto.

Foto: Presidente Viktor Yanukovych com seu homólogo russo (Kommersant Photo, 2013)
A derrubada do governo de Viktor Yanukovych tornava-se fundamental para os objetivos estratégicos dos Estados Unidos, entre os quais, máxime, impedir que a Rússia recuperasse a influência na Ucrânia e restabelecesse seu imperial status na Eurásia, conforme a percepção de Zbigniew Brzezinski. O acordo da Ucrânia com a União Europeia, portanto, encapava vários e complexos objetivos, não apenas econômicos e comerciais. Sub omni lapide scorpio dormit. Com efeito, sob a cobertura do livre comércio, o acordo comprometia a Ucrânia a estabelecer gradual convergence com a Defence Policy and European Defence Agency (CSDP), o que significava colocar indiretamente a Ucrânia dentro da estrutura militar da OTAN e abrir as portas para a instalação de bases militares e o estacionamento de tropas no seu território, fronteira da Rússia. Essa iniciativa se equiparava à instalação pela União Soviética de plataformas de mísseis em Cuba, em 1962, que provocara a reação dos Estados Unidos, levando a Guerra Fria ao clímax. Os Estados Unidos já haviam incorporado à OTAN e estendido sua máquina de guerra e de submissão da Europa aos Estados bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia). E, se a expandisse até a Ucrânia, suas forças militares chegariam a cerca de 1.600 km de St. Petersburg e apenas a 480 km de Moscou. A adesão à União Europeia, a possibilitar o avanço da OTAN até a Ucrânia, tenderia destarte a romper todo o equilíbrio geopolítico da Eurásia, uma vasta região terrestre e fluvial, até o Oriente Médio, que abrangia os estreitos de Bósforo e Dardanelos, deveras valiosos para as comunicações do Mar Negro e de importantes zonas energéticas (gás e petróleo) com o Mar Mediterrâneo, cujo controle e completo domínio os Estados Unidos aspiravam a conquistar.
O presidente Vladimir Putin sempre se manifestou disposto a não tolerar que a OTAN estendesse sua máquina de guerra às fronteiras da Rússia, a ameaçar-lhe a posição estratégica, nem o estacionamento do escudo antimíssil nos territórios da Polônia e da República Tcheca. Por perceber o risco implícito nas iniciativas militares dos Estados Unidos e das demais potências ocidentais, visando a assumir o total controle do Mediterrâneo e eliminar a influência da Rússia e da China no Oriente Médio e no Maghrib, bem como isolar politicamente o Irã, ele restaurou a frota russa, no Atlântico, e expandiu a frota em Sevastopol, que passou a contar, a partir de 2012, com onze vasos de guerra — Aleksandr Shabalin, Almirante Nevelskoy, Peresve, Novocherkassk, Minsk, Nikolay Fylchenkov, ademais de um grande navio antissubmarino — Almirante Panteleyev —, um navio de escolta — Neustrashimy’ —, um navio de patrulha — Smetlivy — e um cruzador antimísseis — Moskva. Daí a ampliação do porto de Latakia e da base naval de Tartus, na Síria, para revigorar a presença da Rússia no Mediterrâneo, o que não convinha aos Estados Unidos e à OTAN, sobremodo a Israel e à Turquia, dado restringir bastante sua margem de manobra na região. E o presidente Barack Obama ainda mais perseverou na sustentação dos jihadistas islâmicos contra o regime de Bashar al-Assad, em virtude do acordo de US$ 90 milhões, assinado com a Rússia, em 25 de dezembro de 2013, concedendo à companhia Soyuzneftegas o direito de exploração e produção de petróleo, por 25 anos, em 2.190 km² (845 milhas quadradas) do Bloco 2, na Zona Econômica Exclusiva da Síria, entre as cidades de Tartus e Banias.

Foto: Posição da base naval russa em Tartus, Síria, construída pelos soviéticos em 1977.
Os objetivos geoestratégicos dos Estados Unidos, inter alia, consistiam, portanto, no estabelecimento de governos submissos, em Damasco e Kiev, a fim de remover as bases russas, na Síria, e em Sevastopol, no Mar Negro, que se interligavam e asseguravam à Rússia o acesso às águas quentes do Mediterrâneo e ao Oceano Atlântico. Assim, logo em 5 de dezembro de 2013, menos de 15 dias após o início das manifestações contra a suspensão do acordo com a União Europeia, dois senadores dos Estados Unidos, John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata), estavam à frente dos protestos na Maidan Nezalezhnost, gritando, como vulgares agitadores: “America will stand with Ukraine” e “Ukraine will make Europe better and Europe will make Ukraine better”.
A aberta participação do senador John McCain, juntamente com o senador Christopher Murphy, nos protestos da Praça Maidan, constituiu não somente ultrajante intromissão nos assuntos internos da Ucrânia como evidenciou os objetivos geoestratégicos dos Estados Unidos por trás das negociações sobre o acordo de livre comércio com a União Europeia. John McCain, famoso warmonger e lobista, estava, como sempre, a defender os interesses dos “international arms dealers, oil sheikhs and angry Ukrainians”, com os quais comparecera à 50ª Conferência de Segurança em Munique, Alemanha (31/1/2014 a 2/2/2014). John McCain sempre esteve a serviço dos interesses da indústria bélica e das companhias petrolíferas, entre as quais a Chevron, cujos executivos e empregados lhe haviam doado o montante líquido de US$ 700 mil de 1989 a 2006, ano em que ele ainda levantou, no mínimo, US$ 305,277 e, em poucos meses de 2008, recebeu cerca de US$ 1,7 milhão para a sua campanha eleitoral. E, desde 1989, sob o manto do International Republican Institute (IRI), a ONG que ele internacionalmente dirigia, operava na Ucrânia.
Os senadores John McCain e Christopher Murphy atuaram, na Praça Maidan, decerto, em conexão com o Departamento de Estado, de onde a secretária-assistente de Estado, Victoria Nuland, titoreava as manifestações para subverter o regime na Ucrânia. Em 4 de fevereiro de 2014, dois dias antes de ir à Ucrânia, ela já havia elegido quem devia governar o país, após a queda do presidente Yanukovych, como evidenciou a conversa com o embaixador dos Estados Unidos em Kiev, Geoffrey Pyatt, interceptada provavelmente por algum hacker do serviço de inteligência SVR RF ou qualquer outra agência da Rússia e posta a circular no YouTube, com o título “Maidan’s puppets”.

Foto: Maidan's Puppets (Reuters, 2014)
A avaliar a estratégia e qual a figura da oposição melhor para ocupar o governo da Ucrânia, após a queda do presidente Yanukovych, Victoria Nuland descartou os nomes de Oleh Tyahnybok, líder extremista do Svoboda, e do campeão de boxe Vitali V. Klitschko, fundador da Aliança Democrática Ucraniana (UDAR/УДАР) e candidato de Angela Merkel, chefe do governo da Alemanha. Alegou que não tinham capacidade e experiência para a função. E apontou o nome do banqueiro Arseniy Yatsenyuk, usando, carinhosamente, o diminutivo: “I think Yats is the guy who’s got the economic experience, the governing experience. He’s the... what he needs is Klitsch and Tyahnybok on the outside.” Irritada, demonstrou, então, descontentamento com a vacilação da União Europeia vis-à-vis da Ucrânia, devido às suas relações com a Rússia, e exclamou: “Fuck the E.U.” A União Europeia não importava. Os Estados Unidos atuariam unilateralmente.
A porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki, reconheceu que a gravação da conversa, vazada no YouTube, era autêntica e disse que Victoria Nuland havia pedido desculpas às autoridades da União Europeia. Mas a linguagem obscena e agressiva, de baixo calão, por ela usada, a ninguém podia surpreender. Victoria Nuland apenas expressou o que sempre pensaram autoridades de Washington, o desprezo que sentiam com respeito não somente à União Europeia, mas também ao resto do mundo.
Assim, em cinco semanas, depois da suspensão do acordo com a União Europeia, Victoria Nuland viajou a Kiev pelo menos duas vezes e, quando lá esteve, entre 6 e 12 de dezembro, foi recebida pelo presidente Yanukovych, a quem deu, de fato, ordens, como se a Ucrânia fosse colônia dos Estados Unidos, no sentido de que ele imediatamente se dobrasse, para superar a crise, e voltasse às negociações com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional: “That was going to require immediate steps to deescalate the security situation and immediate political steps to end the crisis and get Ukraine back into a conversation with Europe and the International Monetary Fund.”
Durante sua estada em Kiev, acompanhada por Catherine Ashton, Alta Representante da União Europeia para os Assuntos Estrangeiros e Política de Seguranças, Victoria Nuland também se encontrou com os gestores dos protestos, entre os quais Oleh Tyahnybok, líder do Svoboda (Partido da Liberdade), da extrema direita nacionalista, e Arsenly Yatsenyuk, do Partido da Pátria, e andou na Praça Maidan, juntamente com o embaixador Geoffrey Pyatt, a distribuir sanduíches para os manifestantes, como “symbol of sympathy” pela “horrible situation” em que, segundo alegou, Yanukovych os havia colocado, “putting them against each other.” Entrementes, em Washington, o secretário de Estado, John Kerry, declarou que os Estados Unidos.
expresses disgust with the decision of the Ukrainian authorities to meet the peaceful protest in (Kiev’s) Maidan Square with riot police, bulldozers and batons, rather than respect for democratic rights and human dignity. This response is neither acceptable nor does it benefit democracy.
John Kerry, impudico, esquecia que o presidente Yanukovych havia sido democraticamente eleito e que, se as forças policiais do governo estavam a reprimir as demonstrações, comportavam-se da mesma forma que nos Estados Unidos e em qualquer outro país, na mesma situação. Todavia, embora aderissem às demonstrações milhares de pessoas, revoltadas contra a estagnação econômica, a pobreza e um regime corrupto, os líderes não eram melhores, mais honestos e capazes do que o presidente Yanukovych; e os manifestantes, na Praça Maidan, não estavam desarmados nem pacificamente protestavam. Eram ativistas do Svoboda, com clara tendência xenófoba, racista, antissemita e contra a Rússia, levados de Lviv (Lwow, Lemberg), no leste da Galitzia (Halychyna), para Kiev. A eles se adiantavam 500 paramilitares do Setor de Direita (Pravyi Sektor/Правий сектор), cujas milícias, militarmente organizadas em companhias, e muito bem armadas, patrulhavam as ruas, em grupos de combate de dez pessoas. Alguns usavam capacetes e trajavam fardamento da divisão SS Galitzia (14. Waffen-Grenadier-Division der SS, que lutou ao lado dos nazistas alemães contra os soviéticos em 1943–1945), com emblema similar à cruz suástica dos nazistas, 34 sob o comando de Dmytro Yarosh. 35 As milícias também eram integradas por grupos de hooligans de futebol e as derriças ainda mais recrudesceram. Em meio a ininterruptas e violentas manifestações, com as milícias do Svoboda e Setor de Direita portando insígnias neonazistas, à frente de outros ativistas, treinados desde 2004, dentro do programa IREX-USAID, para a chamada Revolução Laranja, atacaram e ocuparam os prédios da administração e todo o distrito do governo, em 1º de dezembro de 2013. Outrossim, ergueram barricadas, com pneus incendiados, destruíram antigos monumentos comunistas e dos trabalhadores que participaram dos levantes de 1918, agrediram os jornalistas e arrebentaram suas câmaras fotográficas. Essas milícias ainda invadiram as sedes do Partido Comunista da Ucrânia e hastearam bandeiras neonazistas. Criou-se um ambiente de terror.
fORO:

Foto: Homenagem as 48 vítimas fatais do Massacre de Odessa ocorrido em 2 de maio de 2014, quando grupos neonazistas incendiaram a Casa dos Sindicatos de Odessa, onde também ficava a sede do Partido Comunista local (TASS, 2015).
Uma testemunha, residente em Kiev, relatou, em mensagem particular, o que de fato estava a acontecer na Praça Maidan, ressaltando o quanto a mídia manipulava as informações sobre a Ucrânia:
Sim, efetivamente aqui está muito quente na rua (a temperatura chegou a 35 graus na semana passada). Eu fui ver as barricadas ontem à noite, na primeira linha diante dos integrantes da polícia militar. É bastante impressionante. Os opositores na rua, que ocupam aquela área, estão armados, muito bem organizados militarmente em companhias, fazem patrulhas em grupos de combate de dez pessoas, com capacetes e armas. Eu cruzei com dois sujeitos com uniformes da divisão SS Galizien (divisão que combateu com os alemães contra os soviéticos em 1943–1945). Acho muito engraçado ver os políticos europeus fazendo grandes declarações sobre o “Maidan” e a democracia quando praticamente todos esses tipos que enfrentam a polícia nas ruas são fascistas. É uma grande hipocrisia. Os euro-atlânticos estão prontos a se aliar com não importa quem (como os islamistas na Síria) desde que isso contribua para enfraquecer a Rússia.
Em 20 de fevereiro, Laurent Fabius, Radoslaw Sikorski e Frank-Walter Steinmeier, ministros dos Assuntos Estrangeiros da França, Polônia e Alemanha, chegaram a Kiev e tentaram intermediar um acordo entre o presidente Yanukovych e os representantes da oposição, Vitali Klitscho e Arsenly Yatsenyuk, que previa a formação de um governo de “unidade nacional”, a convocação de eleições para a presidência e a Verkhovna Rada, em novembro, restauração da Constituição de 2004, suprimindo alguns poderes do presidente. Porém, mal as negociações estavam concluídas, à meia-noite de 20 de fevereiro, Dmytro Yarosh, líder dos neonazistas do Setor de Direita, anunciou que não aceitaria nenhum entendimento com o presidente Yanukovych e empreenderia decisivas ações para derrubar o governo.
As violências recrudesceram ao extremo. Confrontos sangrentos sucederam-se, no centro de Kiev, com os policiais da Berkut, Alpha, Omega, Falke e Titan, unidades especiais do Serviço de Segurança da Ucrânia (Sluzhba Bezpeky Ukrayiny — SBU). Contudo, embora não se pudesse descartar inteiramente nenhuma possibilidade, tudo indicou que outros foram os responsáveis pelo massacre de manifestantes e também de policiais ocorrido em 20 de fevereiro de 2014. Postados nas janelas do Conservatório de Música, atiradores (snipers), alguns provavelmente oriundos de algum país do Báltico e/ou do batalhão Dnipro, formado pelos paramilitares do Setor de Direita, atiraram contra a multidão. O professor Ivan Katchanovski, da School of Political Studies & Department of Communication University of Ottawa, escreveu, após investigar, profundamente, os acontecimentos da Praça Maidan, que “this violent overthrow constituted an undemocratic change of government” e o que se evidenciou foi a aliança dos ativistas da praça Maidan com a extrema direita, envolvendo-se no massacre dos manifestantes, enquanto nada se pôde provar sobre a participação dos policiais e outras unidades do governo da Ucrânia. O novo governo da Ucrânia — asseverou o professor Ivan Katchanovski — emergiu largamente como resultado da falsificação do massacre e a mídia ucraniana contribuiu, deturpando a morte em massa de manifestantes e policiais. A pesquisa realizada pelo professor Ivan Katchanovski concluiu que “the far right played a key role in the violent overthrow of the government in Ukraine.
Tratou-se de provocação com o propósito de responsabilizar o presidente em meio a sangrentos conflitos, a emocionar a opinião pública nacional e internacional, pavimentar o caminho para o golpe de Estado. Em tais circunstâncias, o acordo, intermediado pelos ministros para Assuntos Estrangeiros da França, Polônia e Alemanha, abortou. Não interessava à oposição. E a turba ainda mais encrespou. Assim, após ocupar a Central dos Correios e o Comitê do Estado para Rádio e Televisão, ademais de outros órgãos públicos, os grupos de storm-troopers, com fardas da antiga divisão SS Galitzia (Waffen-GrenadierDivision der SS/galizische SS-Division Nr. 1), os ultranacionalistas do Svoboda e neonazistas do Setor de Direita, treinados, armados e organizados, na Lituânia e na Polônia, e levados de Lviv (Lwow, Lemberg) para Kiev, bem como o batalhão Azov, Patriotas da Ucrânia e outros grupos fascistas assomaram e invadiram a Verkhovna Rada, sob o comando de Dmytro Yarosh, durante a noite de 21 para 22 fevereiro. O presidente Yanukovych, a fim de não ser assassinado, conseguiu escapar de Kiev para Kharkov (Kharkiv), um dos seus redutos eleitorais, após denunciar o que estava a ocorrer em Kiev como “vandalism, banditism and a coup d’État”. Ele, democraticamente eleito, em 2010, foi então derrocado, com a colaboração e o suporte dos oligarcas, inclusive do Partido das Regiões, subornados e coarctados a aderir ao golpe. “The extreme right, although a minority, was a highly effective minority. These can play out-of-proportion roles precisely in revolutions or similar situations”, comentou o professor Tarik Cyril Amar, da Columbia University, especializado no estudo da Ucrânia.

Foto: Setor Direita/Pravy Sektor (Genya Savilov, 2021)
Outro residente de Kiev, cujo nome pediu para não ser revelado, testemunhou, em correspondência reservada, que
Yes, here was armed coup d’État made by local Nazi terrorists that was made under total false slogans for “integration in EU”, “democracy” and ‘freedom’. Actually, now is a total bedlam here and Nazi terror against Russians and Russian-speaking people, and against Russian Orthodox Church. The authority here was catched by hard criminals and bandits, and they are started with a dirty company against former authorities. The former authorities was not angels in real life, of course, but compared with the current — the former authorities was Angels from Heaven... […] Situation here is very and very dangerous now... Kiev teeming with thousands of armed gangs of local Nazi of different independent movements and absolutely mad and stupid armed lumpens... The rampant terror and banditry in Kiev and in almost all regions of Ukraine, except Crimea.
Entrementes, o geopolítico húngaro-americano George Friedman, vinculado ao establishment de Washington, escreveu, na revista Stratfor — Geopolitical Weekly, que “it is not clear what happened in Kiev. There were of course many organizations funded by American and European money that were committed to a reform government”. Mas, posteriormente, em entrevista à publicação russa Kommersant, confirmou que a Rússia estava certa em considerar os eventos que ocorreram em Kiev, na madrugada de 21 para 22 de fevereiro de 2014, um coup d’État organizado pelos Estados Unidos. E acrescentou: “it truly was the most blatant coup in history.”
De fato, como George Friedman reconheceu, a derrubada do presidente configurou verdadeiramente o mais patente golpe de Estado e permitiu o estabelecimento de um “openly pro-Western Ukrainian govern ment”, formado pelos mais notórios adeptos do nazi-fascismo. Yulia Tymoshenko, condenada e presa por fraude e outros ilícitos penais, foi libertada. Stepan A. Bandera (1909–1959), antissemita e antirrusso, aliado de Hitler na Segunda Guerra Mundial, foi sagrado herói nacional. A secretária-assistente de Estado para Assuntos Europeus, Victoria Nuland, o senador John McCain, e Carl Gershman, presidente da National Endowment for Democracy, foram efetivamente seus artífices, nos padrões formulados pelo professor do Gene Sharp em From Dictatorship to Democracy, com a intenção de expelir a frota que a Rússia mantinha no Mar Negro havia mais de 230 anos e apropriar-se da base naval de Sevastopol para a OTAN. E as ONGs, em face da permeabilidade das fronteiras nacionais, cada vez econômica e politicamente mais porosas, constituíram a ferramenta tática para a penetração e intervenção informal dos Estados Unidos, através de programas como o International Research & Exchange Board (IREXUSAID), Global Undergraduate Exchange Program (Global UGRAD), na Eurásia e Ásia Central, de modo a consolidar a estabilidade de sua hegemonia sobre todos os continentes, como raison d’être.
O bonifrate de Victoria Nuland, Arseniy “Yats” Yatsenyuk, presidente da OpenUkraine Foundation, associada à Chatam House, Centro de Informação e Documentação da OTAN e ao banco suíço Horizon Capital, autoproclamou-se primeiro-ministro e colocou os nacionalistas extremistas e neonazistas nos postos-chave do governo. O cargo de presidente interino coube a Olexander Turchynov, íntimo aliado da oligarca Yulia Tymoshenko. O almirante Ihor Yosypovych Tenyukh, alto dirigente do Svoboda, assumiu interinamente o Ministério de Defesa da Ucrânia; Dmytro Yarosh, fundador do Setor de Direita, passou a exercer a vice-presidência do Conselho de Defesa e Segurança Nacional. E Oleh Yaroslavovych Tyahnybok, o líder neonazista do Svoboda, na Verkhovna Rada, inimigo declarado do que chamava de “máfia judaico-russa”, tornou-se um dos pilares do poder. Tal governo, dirigido pelo primeiro-ministro, o banqueiro Arseniy Yatsenyuk, ilegal, sem legitimidade, oriundo de um putsch e logo reconhecido pelo presidente Barack Obama, foi que então firmou, em 21 de março de 2014, o Association Agreement com a União Europeia. E, em 23 de fevereiro, a Verkhovna Rada baniu o russo como a segunda língua oficial da Ucrânia, a provocar indignação e revolta da população russófona do país. Tal decisão haveria de fraturar inevitavelmente a Ucrânia, onde mais de dois terços da população tinha o russo como idioma nativo — sobretudo na Crimeia e na região de Donbass —Donetsk, Luhansk e outras oblasts, ao sul e ao leste, a Rússia teria de respaldá-la.

Foto: Integrante do grupo paramilitar Batalhão de Azov.
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