13 REALIDADES QUE EXPLICAM A SITUAÇÃO DA NICARÁGUA E CONTRADIZEM A PROPAGANDA NORTE-AMERICANA
- grupomonizbandeira
- 7 de jul. de 2021
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Atualizado: 26 de set. de 2021
Mario Eduardo Firmenich*

1) As leis eleitorais vigentes na Nicarágua foram elaboradas pelo último governo de direita que governou entre 2001 e 2006.
Como a FSLN derrotou o governo nas eleições de 2006, agora tais leis não são mais convenientes.
As últimas modificações nas tais leis, a partir das quais se acusa o governo da FSLN de “montar uma fraude”, se referem ao dado de que 50 % dos cargos eletivos devem ser ocupados por mulheres (Parece que a oposição não possui mulheres suficientes para completar as listas eleitorais!) e também à proibição de que os partidos políticos possam ser financiados desde o exterior; este último critério existe em qualquer país sério e López Obrador sofre uma acusação idêntica feita pelos EUA.
2) A oposição nicaraguense é um “saco de gatos” sem grande representatividade social. Seus partidos políticos não mantêm nenhuma existência orgânica fora dos períodos eleitorais.
O único que existe com grande organização, de modo permanente, em todo o território nacional é a FSLN.
Há 19 partidos políticos reconhecidos legalmente. Um deles é a FSLN. Outros 16 partidos (incluindo vários partidos indígenas) são aliados da FSLN. Só há dois partidos de oposição inscritos legalmente, que, para além disso, possuem posições antagônicas entre si.
A oposição que participa das eleições não pretende vencer a eleição para presidente, derrotando Daniel Ortega, porque sabe que é impossível. Eles brigam entre si para ver quem será o segundo colocado, objetivando aceder às vantagens e prerrogativas que a lei eleitoral, elaborada pela direita, concede ao segundo colocado.
A oposição mais violenta tentou, em 2018, derrubar pela força o governo, pressionando para que fossem negociadas “reformas democráticas” sem que tal movimento oposicionista fosse sequer constituído por partidos políticos, mas tão somente por “ONGs”, autointituladas como “sociedade civil”, e financiadas pela CIA e pela USAID.
3) Os processos legais contra a Fundação Chamorro e seus membros não são a criação de um “lawfare”. A lavagem de dinheiro existe porque essa fundação, que atuava como força de oposição sem ser um partido político, recebia explicitamente financiamento dos EUA. Aprovada a lei que proíbe financiamento estrangeiro a quaisquer atividades políticas, a fundação devia registrar-se como “agente estrangeiro” para permanecer legalmente autorizada a seguir recebendo tais financiamentos.
Porém, não quiseram legalizar sua situação porque se desqualificariam politicamente e, desde então, se dedicaram a falsificar a sua contabilidade, escamoteando as somas recebidas das agências estatais dos Estados Unidos. As provas documentais da falsificação são evidentes nos registros contábeis gerados pela própria fundação.
4) Os ex-sandinistas recentemente encarcerados não são “a dissidência interna que questiona o poder personalista de Daniel Ortega”. São os que abandonaram a FSLN há 30 anos, quando perderam as eleições! Estão sendo processados judicialmente por traição à pátria porque conspiraram ilegalmente com os Estados Unidos para sabotar as eleições e derrubar o governo.
5) A cultura política do povo nicaraguense não é, nem nunca foi, liberal-democrática, ao estilo europeu. Sua cultura tem raízes rurais e étnicas, com minorias afrodescendentes. Quase 40 % da população da Nicarágua é atualmente rural e vive nas terras concedidas há 40 anos pela reforma agrária levada a cabo pela revolução sandinista. Enquanto 30 % da população nacional é rural ou constituída por filhos egressos da população agrícola que se urbanizaram nas periferias de municípios, em cidades de tamanho mediano, capitais de departamentos, e em alguns bairros de Manágua.
A grande massa deste setor demográfico é sandinista desde a revolução de 1979 e mantém laços de gratidão e identificação política com as políticas do Presidente Ortega que, desde 2007, lhe possibilitou melhorar sua renda e sua qualidade de vida (saúde, educação, luz elétrica, vias pavimentadas, alimentação para todos, capitalização da economia familiar, sustentabilidade ambiental e equidade de gênero). A esta população não importa nem um pouco que a senhora Cristiana Chamorro e seus sócios sejam presos.
Há uma pequena porcentagem de população branca, a maior parte da qual constituída por restos da oligarquia somozista e dos antigos e escassos setores médios que estavam a seu serviço. Este setor é violentamente hostil ao sandinismo; seu único modo de recuperar o poder seria uma intervenção norte-americana para derrubar o governo e isso é o que objetivam.
O restante é composto por uma reduzida classe média urbana surgida graças ao progresso econômico e social da gestão presidida por Daniel Ortega, entre 2007 e 2018, quando o falido intento de golpe de Estado violento interrompeu o processo de crescimento econômico. Se incorporou a esta classe média uma população urbana, de base étnica crioulo-mestiça, dedicada ao comércio e outros serviços.
6) A realidade sociopolítica é que Daniel Ortega e a FSLN ganham as eleições com grande tranquilidade, tendo uma vantagem muito além dos 50 % dos votos.
O encarceramento de opositores vinculados à ingerência norte-americana, autointitulados “pré-candidatos” (que não estão inscritos como tais por nenhum partido legalmente habilitado para as eleições), não é uma “repressão totalitária necessária para ganhar as eleições”. Cristiana Chamorro, nas pesquisas mais favoráveis (supondo que fosse candidata da oposição unificada), aparece com 21 % das intenções de voto, enquanto nas pesquisas mais desfavoráveis (supondo que fosse candidata apenas de “seu” partido, atualmente inexistente) apresenta apenas 5 % das intenções de voto.
As prisões preventivas pela lavagem de dinheiro que financia a ingerência eleitoral norte-americana são todas realizadas de acordo com o ordenamento jurídico vigente. Para a cultura política dominante na Nicarágua, que não é a mesma que a democrático-liberal, pouco importa que elas se deem no momento no qual se inicia o processo eleitoral.
Obviamente, para países culturalmente democrático-liberais como os da Europa Ocidental (ou próximos a essas tradições, como Argentina e México) isto parece um “atropelo ditatorial que impede uma justa competição eleitoral”.
Na Argentina o “normal” seria que os “operadores judiciais” (agentes dos serviços de inteligência do Estado), cumprindo indicações do presidente, passassem por cima da divisão de poderes e determinassem a data eleitoralmente mais conveniente para a ordem judicial de detenção.
Na Nicarágua não existe essa hipocrisia formalista e liberal-democrática e por isso as prisões preventivas se dão no momento processual legal, independentemente da campanha eleitoral, e mesmo assim a FSLN vence as eleições, sem precisar fingir que é democrática.
Não existe mobilização social alguma protestando contra as detenções dos Chamorro e de seus sócios.
7) Os setores mais conservadores da Igreja Católica estimularam abertamente o levante golpista de 2018 desde seus púlpitos (de modo bastante semelhante ao golpe contra Perón, em 1955, sob o lema “Cristo Vence”). Hoje a Igreja Católica tem uma posição de “oposição elíptica” em suas homilias, apesar de clamar pela paz.
Tudo parece indicar que o Papa Francisco interveio, com a habitual discrição vaticana, removendo aos sacerdotes mais violentos e induzindo a esta mudança de discurso político.
A figura e a mensagem do Papa Francisco são publicamente difundidas e destacadas elogiosamente pelo próprio governo.
8) A Constituição e a legislação eleitoral nicaraguense são juridicamente democráticas e pluralistas; nesse contexto, realidade sociopolítica mostra um sistema pluralista de partido hegemônico.
Isto não é consequência de manobras de proscrição realizadas pelo sandinismo, mas, sim, a manifestação política natural de uma sociedade com diversidade de classes sociais bastante escassa.
Existe uma imensa maioria popular de trabalhadores rurais pobres, historicamente explorada e marginalizada tanto pelo capitalismo neocolonial do somozismo, quanto pelos partidos neoliberais que governaram entre 1991 e 2006.
Não existem grandes massas de setores médios que puderam dar base social a um sistema, por exemplo, de 3 grandes partidos que pudessem alternar-se no poder formando coalizões.
Existe uma minoria social de ricos (alguns muito ricos) que são antissandinistas e uma imensa maioria pobre que são sandinistas porque goza de uma melhora sustentável de sua qualidade de vida. A franja social de “independentes” ou “apolíticos” não é politicamente significativa.
O partido hegemônico surge porque a FSLN é o único partido que representa e favorece o progresso socioeconômico e o orgulho da imensa maioria indo-americana e afrodescendente, sendo capaz de construir alianças com os partidos regionais e indígenas.
9) A paz social que se observa numa visada rápida sobre a Nicarágua é muito superior àquela existente na Argentina ou no México (além de incomparável com o que se vê na Colômbia, Equador ou Chile).
Não existem piquetes que cortem ruas ou estradas; não há greves sindicais nem lockout patronal que paralisem o país.
Muito menos existe violência social/criminal semelhante às gangues salvadorenhas nem a violência de grandes grupos de crime organizado. Não há assaltos a bancos, nem sequestros de empresários, nem máfias violentas de narcotraficantes, como no México ou como na cidade de Rosário, na Argentina.
Os mercados populares e os shoppings e centros de comerciais da classe média e alta exibem um funcionamento socioeconômico normal, em paz e sem tensões visíveis.
10) Em Nicarágua são assistidos livremente a mais de 80 canais de televisão.
Há vários canais de TV nicaraguense privados e independentes (canais 10, 12, 14, 23) que expressam diversos graus de agressividade opositora. Gozam de uma liberdade de expressão que pode ser considerada até excessiva; o canal 10 é o mais violento e é normal escutar todo dia que “o ditador Daniel Ortega é um criminoso que assassina trabalhadores rurais”, sem que ninguém lhe fale nada!
Além do mais, a Igreja Católica tem um canal próprio que transmite com total liberdade o que deseje, incluindo as homilias do Cardeal nas suas missas ao vivo. Por outro lado, se assiste também ao canal do Vaticano em espanhol, que goza de idêntica liberdade de expressão.
Também se pode ver livremente pela TV a CNN em espanhol e inglês, o canal Euronews, a TVE espanhola, a cadeia Caracol da Colômbia, vários canais mexicanos, TeleSur, RT e o canal chinês CGTN em espanhol.
Como televisão oficial existem várias emissoras, algumas delas são privadas ligadas ao governo, e um canal parlamentar oficial.
O único canal de TV que foi fechado incorreu em graves delitos, instigando explicitamente e dando instruções operacionais em tempo real para que as turbas golpistas destruíssem e incendiassem instalações públicas e de militantes sandinistas durante o golpe falido de 2018.
11) A edição em papel do jornal La Prensa é limitada pela simples razão de que não existem bancas de jornais e revistas, e nem os vendedores ambulantes que anunciam de viva voz os jornais numa esquina. O jornal se vende por assinatura, que se restringe às classes média e alta. A imensa maioria social não lê os jornais impressos.
A edição digital do jornal La Prensa é publicada diariamente sem problema algum.
12) A Nicarágua não se parece em nada com um país comunista e seu sistema econômico está longe de ser estatista.
Não existe um banco comercial de Estado, como o Banco da Nação o os Bancos da Província ou os Bancos da Cidade na Argentina. A lei não autoriza a constituição de bancos cooperativos. Todos os bancos comerciais são privados e opositores, que se dão ao luxo de boicotar as operações financeiras do governo, ao ponto de haver empregados públicos que têm de cobrar seus salários no Banco Central.
Não existem grandes empresas estatais. Há livre conversibilidade monetária entre o córdoba e o dólar, podendo pagar-se com dólares em qualquer comércio e não há congelamento de preços pelo governo.
A planificação econômica é indicativa e feita a partir da demanda; está executada por protagonistas provados da economia familiar e cooperativa. As instituições governamentais prestam sua ajuda técnica e financeira para que esse atores socioeconômicos populares possam implementar os planos nacionais de desenvolvimento econômico e social.
A taxa máxima de imposto sobre a renda era de 10 % até 2019 e atualmente é de 15 % (na Espanha é de 49 %). Além disso, é habitual que empresários obtenham exonerações fiscais.
A taxa geral do IVA é de 15 % e os alimentos fresco estão isentos (na Argentina a taxa geral do IVA é de 21 %, de 27 % para a eletricidade e de 10,5 % para os alimentos frescos).
Há grandes empresas estrangeiras funcionando sem nenhum inconveniente (incluindo empresas como Cargill ou cadeias hoteleiras multinacionais). Os principais investimentos estrangeiros estão dentro do regime de Zona Franca e, portanto, não pagam nenhum imposto.
13) Como se explica que esta realidade mereça a avassaladora e súbita campanha midiática mundial para implantar, como “pós-verdade”, as fake news de que uma ditadura populista-comunista está suprimindo a liberdade de imprensa, encarcerando os candidatos da oposição que ganhariam as eleições e perseguindo aos dissidentes sandinistas que oporiam dentro do partido oficial ao personalismo ditatorial de Daniel Ortega?
Esta campanha de fake news das mídias oligopolizadas na globalização neoliberal não é mais do que um bombardeio “de um tipo novo” contra um Estado e um povo soberanos na Terceira Guerra Mundial em curso.
Vivemos uma guerra que é simultaneamente uma típica disputa geopolítica entre potências (por agora sem mísseis estratégicos) e também uma guerra civil mundial genocida, declarada pelo establishment econômico da globalização conta os povos pobres do mundo; o objetivo é despojá-los de sua soberania sobre seus recursos naturais cada vez mais escassos e reduzir a população mundial.
Que outra coisa além de defender-se com suas próprias leis podem fazer os Estados e povos soberanos quando uma potência estrangeira procura promover uma guerra civil interna para derrubar o governo e destruir seu sistema social?
Junho de 2021
*Mario Eduardo Firmenich é doutor em economia pela Universidade de Barcelona e dirigente histórico do movimento peronista revolucionário.
Tradução: Fabrício Gonçalves
Revisão: Gustavo Santos
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